O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu adiar a votação do Projeto de Lei 2630/2020, chamado de PL das Fake News, que estava prevista para esta terça-feira (2). Uma das principais críticas da oposição era que o projeto não tinha sido debatido com a sociedade. O governo e líderes lulistas queriam, até a tarde de terça, que a votação fosse realizada o quanto antes.
Mas a opinião dos governistas mudou rapidamente após não conseguirem identificar se poderiam vencer. Lira, então, seguiu a maioria das lideranças da Câmara, que foi favorável ao pedido de retirada de pauta feito pelo deputado governista Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto. Líderes de partidos de oposição foram contrários à retirada de pauta, por acreditarem que a votação nesta terça resultaria em derrota do governo.
A oposição fez pressão para que Lira marcasse uma nova data para a votação. O governo e o presidente da Câmara querem margem de manobra para negociar com parlamentares e garantir uma votação favorável e, por isso, preferiram não fixar uma nova data.
Favorável ao PL das Fake News, o presidente da Câmara tentava, junto com a base governista, costurar acordos para que o projeto fosse votado nesta terça. As reuniões de última hora não surtiram efeito suficiente para dar confiança ao governo de que o projeto seria aprovado.
Antes da definição de retirada de pauta, Orlando Silva justificou o pedido de adiamento afirmando falta de "tempo útil para examinar todas as sugestões". "Gostaria de fazer um apelo para que, consultados os líderes, pudéssemos retirar da pauta de hoje a proposta e pudéssemos consolidar a incorporação de todas as sugestões que foram feitas para ter uma posição que unifique o Plenário da Câmara dos Deputados num movimento de combater a desinformação e garantir a liberdade de expressão", disse.
Lideranças de PP, Republicanos, PT, PDT, Psol, PCdoB e Patriota foram favoráveis ao adiamento; PL e Novo foram contra. "É de conhecimento de todos que fica inviável a votação dessa matéria. O relator recebeu mais de 90 emendas para um projeto que muitos não conhecem o texto (sic)", afirmou o deputado André Fufuca (MA), líder do PP e representante do maior bloco da Câmara.
Lira afirmou que o pedido de Orlando Silva foi determinante para a decisão de retirada de pauta. "Ouvindo atentamente o pedido do relator – que para mim já é suficiente –, e os líderes, que na sua maioria encaminham por uma saída da manutenção do diálogo, o projeto não será votado na noite de hoje", disse. O presidente da Câmara também deixou claro expressamente que não marcaria uma nova data, depois de ser instado pela oposição.
A proposta, focada no tema da responsabilidade das redes sociais em relação a conteúdos publicados por terceiros, entrou em regime de urgência na semana passada com votos favoráveis de 238 parlamentares. Na nova redação da proposta, o relator havia retirado dispositivos controversos, como a criação de uma “entidade autônoma de supervisão” que, segundo a penúltima versão do projeto de lei, deveria ser estabelecida pelo Poder Executivo.
Mesmo com as mudanças no texto, juristas consultados pela Gazeta do Povo apontaram aspectos preocupantes da proposta para a liberdade de expressão nas redes sociais.
Em discurso no Plenário na tarde desta terça, a deputada Bia Kicis (PL-DF) disse que o projeto, "além de censura, traz algo muito grave, que é o rompimento com o sistema jurídico pátrio". "A Constituição não permite a censura. Ela rejeita, rechaça expressamente todo tipo de censura. Além disso, esse projeto vai permitir perseguição política – o que já vem acontecendo sem esse projeto, sem a lei. Nós temos sofrido perseguição por parte do Judiciário, que está aparelhado. O que esse Congresso vai fazer hoje se aprovar esse projeto vai ser legitimar a perseguição, a censura e o rompimento com o devido processo legal. E nós não podemos fazer isso. Isso seria o verdadeiro crime".
Lira defende responsabilização das Big Techs por ofensiva contra PL das Fake News
Criticado pela oposição por defender o adiamento da votação, Lira disse que seu posicionamento a favor da regulamentação das redes era em defesa da própria Câmara.
"Nós demos uma semana para que as Big Techs fizessem o horror que fizeram com a Câmara Federal e eu não vi ninguém aqui defender a Câmara Federal. Num país com o mínimo de seriedade, Google, Instagram, TikTok, todos os meios tinham que ser responsabilizados. Como você tem num site de pesquisa um tratamento desonroso com essa Casa?", disse Lira.
Após a aprovação da votação em regime de urgência, empresas que controlam as maiores redes sociais se manifestaram publicamente contra o projeto de lei apoiado pelo governo Lula. Em nota divulgada no sábado (29), a Meta – dona de Facebook, Instagram e WhatsApp – argumentou que o projeto cria sistema "similar ao de regimes antidemocráticos" e traz conflitos com leis brasileiras relacionadas à internet, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A empresa também apontou o risco de criar um "sistema permanente de vigilância, similar ao de países de regimes antidemocráticos".
Dois dias antes, o Google publicou um comunicado com o título “Como o PL 2630 pode piorar a sua internet” criticando o projeto de lei. Para a empresa, a aprovação do projeto poderá prejudicar a liberdade de expressão, favorecer produtores de notícias falsas e colocar em risco a distribuição de conteúdo gratuito pela internet. O link para o manifesto da empresa foi incluído na página inicial do sistema de busca para todos os usuários brasileiros.
O Youtube foi outro a se posicionar. A plataforma de vídeos disse temer "enormes implicações para toda a internet, inclusive para os criadores de conteúdo do YouTube".
Quais são os principais problemas do PL das Fake News
Em reportagem publicada pela Gazeta do Povo nesta segunda-feira (1º), juristas demonstraram preocupação com diversos pontos do projeto de lei.
Em primeiro lugar, o projeto obriga as plataformas a serem mais proativas em derrubar certos conteúdos considerados ilícitos. Diante da imposição de maior responsabilização às redes sociais – principal novidade da proposta –, as empresas donas dessas plataformas ficariam obrigadas a se estruturar para agilizar a remoção de conteúdos publicados por terceiros, o que acrescentaria uma camada de censura àquela que já vem sendo imposta pelo Judiciário brasileiro nas redes sociais.
Os juristas também criticam a falta de abertura ao debate e o açodamento na tramitação do projeto, que ainda não foi devidamente discutido por todos os setores da sociedade.
Outro problema apontado é a entrega do monopólio da verdade ao Estado, que teria maior poder sobre as redes sociais.
Um dos dispositivos do projeto fala na instauração de "protocolos de segurança" quando houver "risco iminente" – categoria com definição subjetiva. Isso pode gerar situações em que, por exemplo, uma rede social sofra censura ao não coibir a convocação para um protesto contra uma instituição do Estado, a depender da interpretação que o Judiciário ou o órgão regulador da lei faça de "risco iminente".
O projeto também concede privilégios aos grandes meios jornalísticos em detrimento das redes sociais. Com isso, um dos grandes benefícios trazidos pela internet – a democratização no consumo e na produção da informação – poderia ser diminuído com a sua aprovação. Além de exigir que as redes intensifiquem seu papel de vigilância, aumentando o potencial de censura a conteúdos que fujam do politicamente correto, o projeto demanda a remuneração a meios jornalísticos pelas plataformas quando seus conteúdos forem veiculados nas redes.
Outra controvérsia do PL das Fake News é o uso excessivo de expressões abertas e imprecisas, que podem dar vazão a decisões autoritárias, e a falta de definição clara de que órgãos seriam responsáveis por garantir o cumprimento de cada dispositivo. Essa nebulosidade é preocupante por abrir espaço, por exemplo, a interpretações posteriores que permitam a criação de órgãos reguladores com poder de censura, ou decretos de viés autoritário com o alegado propósito de regulamentar a lei.
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