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Acuados

Os agentes penitenciários que viram a cara da morte

 | Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo
(Foto: Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo)

A faca artesanal era pressionada com força contra o pescoço do agente penitenciário Robson*. Por trás dele, dezenas de detentos rebelados e que haviam ganhado o telhado da Penitenciária Estadual de Piraquara II (PEP II) gritavam aos policiais e autoridades. O refém ouvia as ameaças com frieza, mas não sem suar frio. Nas 26 horas que durou a rebelião – entre os dias 12 e 13 de setembro – ele ficou em poder dos presos. Por cinco vezes foi exposto na cobertura da prisão e ameaçado com as armas artesanais.

"Quando eu ouvia os passos mais apressados, sabia que eles iam me levar lá pra cima. Na hora não tem o que fazer. É tentar ficar calmo", disse Robson. Além dele, outros 43 agentes penitenciários foram mantidos reféns, nas 21 rebeliões ocorridas em presídios paranaenses desde dezembro do ano passado – uma delas ainda em andamento, na Penitenciária Industrial de Guarapuava (PIG), até o fechamento desta edição. Três deles contaram à Gazeta do Povo os horrores vividos nas horas em que estiveram "guentados" (gíria para "dominados") pelos presidiários.

"Você se sente um lixo, porque, por mais que você respeite o preso no dia a dia, você não sabe o que vai acontecer durante a rebelião. É muita tensão. Eu vi a cara da morte. Só pensava na minha família, que eu queria ver todos eles de novo", disse Laércio*, agente penitenciário da PEP II, que também foi rendido em uma rebelião neste ano.

A paz no interior dos presídios, dizem os agentes, existe no fio da navalha. Relatam que, dentro das celas, os presos fabricam os "estoques" (armas improvisadas) com facilidade, a partir de pedaços de vergalhões, retirados da estrutura das paredes. "Eles cavam as paredes, retiram aço das vigas e já era", contou Mário*, que também já teve sua vida nas mãos dos presidiários.

Armados, os detentos se aproveitam das falhas de segurança, ampliadas pelo efetivo defasado de agentes, e estouram os motins. Na PEP II, em média, 30 agentes cuidam da movimentação interna dos 1,1 mil presos. Quando Robson e outros dois colegas conduziam três presos à cela, um deles conseguiu se soltar das algemas e abraçou o agente. "Quando eu vi que o pessoal da [cela] 12 passou faca para os presos de fora, eu me rendi. Soltei o [detento] que estava segurando e disse: ‘tô pego, tô pego", relembrou. "Aí, veio o terror e a tentativa de ficar calmo".

Laércio, por sua vez, estava sozinho quando foi rendido. Antes que fosse dominado, tentou chamar apoio, mas o radiocomunicador não funcionou por falta de bateria. "Os presos davam risada. Falavam: ‘Vocês são uns comédias. Nem HT (radio) vocês têm’", disse. "E eles têm razão. Se HT, que é o básico, a gente não tem, como é que se trabalha?", questionou.

*nomes fictícios

"Caderno de Segurança" é peça de ficção

A cada conversa, os agentes penitenciários batem reiteradamente em duas teclas: na defasagem do efetivo e em problemas estruturais nas penitenciárias. O Sindicato dos Agentes Penitenciários (Sindarspen) estima que sejam necessários pelo menos mais 1,2 mil servidores, para complementar o quadro atual, de 3,3 mil concursados. Além dos rádios HTs, há relatos de que chegam a faltar algemas e cadeados.

Assim, não se consegue cumprir o chamado "Caderno de Segurança", um conjunto de normas e de procedimentos técnicos definido pelo Departamento Penitenciário (Depen) para fazer o controle e a movimentação dos presos.

"É impraticável. O ‘Ca­derno de Segurança’ é uma peça de ficção. Não dá pra aplicar o que está escrito, porque não tem agentes suficientes pra isso. Ou você tira o preso como dá, no respeito, ou não tira. Se for cumprir o ‘Carderno’, a unidade para", avaliou Robson.

As falhas nas assistências jurídica, psicológica e médica aos presos também geram angústia nos agentes penitenciários e ajudam a inflamar os motins.

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