A faca artesanal era pressionada com força contra o pescoço do agente penitenciário Robson*. Por trás dele, dezenas de detentos rebelados e que haviam ganhado o telhado da Penitenciária Estadual de Piraquara II (PEP II) gritavam aos policiais e autoridades. O refém ouvia as ameaças com frieza, mas não sem suar frio. Nas 26 horas que durou a rebelião entre os dias 12 e 13 de setembro ele ficou em poder dos presos. Por cinco vezes foi exposto na cobertura da prisão e ameaçado com as armas artesanais.
"Quando eu ouvia os passos mais apressados, sabia que eles iam me levar lá pra cima. Na hora não tem o que fazer. É tentar ficar calmo", disse Robson. Além dele, outros 43 agentes penitenciários foram mantidos reféns, nas 21 rebeliões ocorridas em presídios paranaenses desde dezembro do ano passado uma delas ainda em andamento, na Penitenciária Industrial de Guarapuava (PIG), até o fechamento desta edição. Três deles contaram à Gazeta do Povo os horrores vividos nas horas em que estiveram "guentados" (gíria para "dominados") pelos presidiários.
"Você se sente um lixo, porque, por mais que você respeite o preso no dia a dia, você não sabe o que vai acontecer durante a rebelião. É muita tensão. Eu vi a cara da morte. Só pensava na minha família, que eu queria ver todos eles de novo", disse Laércio*, agente penitenciário da PEP II, que também foi rendido em uma rebelião neste ano.
A paz no interior dos presídios, dizem os agentes, existe no fio da navalha. Relatam que, dentro das celas, os presos fabricam os "estoques" (armas improvisadas) com facilidade, a partir de pedaços de vergalhões, retirados da estrutura das paredes. "Eles cavam as paredes, retiram aço das vigas e já era", contou Mário*, que também já teve sua vida nas mãos dos presidiários.
Armados, os detentos se aproveitam das falhas de segurança, ampliadas pelo efetivo defasado de agentes, e estouram os motins. Na PEP II, em média, 30 agentes cuidam da movimentação interna dos 1,1 mil presos. Quando Robson e outros dois colegas conduziam três presos à cela, um deles conseguiu se soltar das algemas e abraçou o agente. "Quando eu vi que o pessoal da [cela] 12 passou faca para os presos de fora, eu me rendi. Soltei o [detento] que estava segurando e disse: tô pego, tô pego", relembrou. "Aí, veio o terror e a tentativa de ficar calmo".
Laércio, por sua vez, estava sozinho quando foi rendido. Antes que fosse dominado, tentou chamar apoio, mas o radiocomunicador não funcionou por falta de bateria. "Os presos davam risada. Falavam: Vocês são uns comédias. Nem HT (radio) vocês têm", disse. "E eles têm razão. Se HT, que é o básico, a gente não tem, como é que se trabalha?", questionou.
*nomes fictícios
"Caderno de Segurança" é peça de ficção
A cada conversa, os agentes penitenciários batem reiteradamente em duas teclas: na defasagem do efetivo e em problemas estruturais nas penitenciárias. O Sindicato dos Agentes Penitenciários (Sindarspen) estima que sejam necessários pelo menos mais 1,2 mil servidores, para complementar o quadro atual, de 3,3 mil concursados. Além dos rádios HTs, há relatos de que chegam a faltar algemas e cadeados.
Assim, não se consegue cumprir o chamado "Caderno de Segurança", um conjunto de normas e de procedimentos técnicos definido pelo Departamento Penitenciário (Depen) para fazer o controle e a movimentação dos presos.
"É impraticável. O Caderno de Segurança é uma peça de ficção. Não dá pra aplicar o que está escrito, porque não tem agentes suficientes pra isso. Ou você tira o preso como dá, no respeito, ou não tira. Se for cumprir o Carderno, a unidade para", avaliou Robson.
As falhas nas assistências jurídica, psicológica e médica aos presos também geram angústia nos agentes penitenciários e ajudam a inflamar os motins.