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Sapolândia

Confira o vocabulário básico da Ordem:

Ingresso

Quando novos associados são admitidos na "honorífica e nobiliárquica" Soberana Ordem do Sapo, ganham medalha, diploma, um facão é pousado sobre as cabeças e água é aspergida. "O facão simboliza a separação do bem e do mal", explica Vânia Ennes. A confraria tem uma música oficial, a polca cancioneta O sapo, composta por Benedito Nicolau dos Santos.

Título

O título é escolhido de comum acordo. Pode se referir ao local onde o homenageado nasceu, a seu ofício ou ao santo de devoção. A honraria é pessoal e intransferível. Há outros títulos, como o de cartulário (secretário), arauto (relações públicas), chanceler (vice-líder), grão-mestre (líder). Apenas os mais elevados chegam a conde e condessas, a exemplo do fundador, Vasco Taborda Ribas. A ordem é mantida com os "óbulos" – doações espontâneas dos confrades.

Eleitos

Não basta querer entrar. E não adianta pedir. Desde a fundação, em 1976, os membros costumam ser assediados para indicar alguém. Um conselho de notáveis define quem entra. Gente como o ex-prefeito Rafael Greca de Macedo, "tudo a ver" com a Ordem, ainda não entrou. Entre os "novatos" estão a escritora Liamir Hauer, Baronesa do Paraná; e o ambientalista Henrique Schmidlin, o Vitamina, agora Barão da Mata Atlântica. Há 75 "sapos" atuantes. O total não pode passar de 100.

Decálogo

A ordem segue dez normas, que pedem o respeito às pessoas, a suas origens e seus credos; versam sobre o amor à cultura e à ciência; sobre o envolvimento com os problemas do país, entre outros.

Sede

A Soberana Ordem do Sapo não tem sede própria. A direção se reúne numa mesa, emprestada, no Centro Paranaense de Letras. Os grandes encontros, duas ou três vezes anos por ano, são em locais inspirados, como um castelo em Tijucas do Sul.

O sapo

Objeto de culto inconteste entre os membros, ainda que não seja esse o objetivo da confraria. Nos dizeres do professor Apollo Taborda França, o sapo é místico e romântico. Amante da lua, pode se transformar num belo jovem, "tumultuando o coração das jovens adolescentes em busca de um amor". Melancólico e solitário, é também paciente e contemplativo. Em tempo: os confrades desdenham de quem tem medo de sapo e ficam "buzinas" com experimentos científicos que não o respeitam.

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Pertinho do céu

Veja alguns integrantes que já se foram:

Juril Carnasciali: Baronesa do Tarumã; Túlio Vargas: Barão de Piraí do Sul; Theodoro De Bona: Barão de Nhundiaquara; Franscisco Cunha Pereira: Barão de Nácar; Ivo Arzua Pereira: Barão das Misericórdias; Metry Bacila: Barão dos Campos Gerais; Moysés Paciornik: Barão de Catuporã; Nely Almeida: Baronesa da Ação Social; Osvaldo Pilotto: Barão da Água Verde.

O professor Apollo Taborda França, o Barão do Tatuquara, e um fac-símile da revista O Sapo, surgida em 1898: trovas aos anfíbios
Vânia Ennes, a Baronesa da Vista Alegre, atual líder da Soberana Ordem do Sapo: modernização
Vânia em reunião da confraria, no início de dezembro

Prezado leitor, preste atenção com quem está falando. Curitiba tem pelo menos 75 moradores com títulos de nobreza. Trata-se de barões, baronesas e condes, discretíssimos em sua maioria, de modo que são identificados apenas pelos conhecidos. É fato que ostentam medalhões, como os graúdos de antigamente, mas vivem como se fossem plebeus. Suas comendas saem das sedas apenas em ocasiões, nalgum palacete, em encontros quase secretos, nos quais se alegram recitando versos e trovas, longe dos arrulhos dos curiosos.

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Para descobrir a identidade de algum desses eleitos, basta prestar atenção nas lapelas, nas quais prendem um pequenino broche em forma de anfíbio. Eis o sinal. Em volta está escrito: "Soberana Ordem do Sapo", nome da confraria à qual pertencem. Mas não espere que esnobem a titulação nas redes sociais. Seria uma vulgaridade.

Se os confrades levam a sério ou não essa história de baronato, em pleno século 21, é a pergunta mais difícil de responder. Os graus de adesão variam de nobre para nobre, o que não impede afirmar que a Soberana Ordem do Sapo é um fenômeno cultural dos mais curiosos da cena local. Há 37 anos.

O "Ribas"

Para entender como tudo surgiu, é preciso invocar o intelectual paranaense Vasco Taborda Ribas – uma figura típica da primeira metade do século passado. Jornalista, advogado, escritor, Vasco bem poderia ser um personagem de Lima Barreto ou de Dias Gomes. Tinha fleuma, como se dizia. Fazia o tipo à gomalina. Empolgava. Caloroso, tirava o chapéu para cumprimentar os que encontrava na rua, e não eram poucos.

Como bom paranista, nutria saudade do fausto da erva-mate e tinha algumas birras com São Paulo, a vizinha rica e má. Mas, segundo consta, esbanjava humor, o que o tornava devoto ardoroso de uma determinada revista literária publicada em Curitiba, de 1898 a 1902. O periódico não era um pasquim, mas se chamava O Sapo, e nascera da pena de Leocádio Cysneiros Correia, filho do célebre médico Leocádio josé Correia, e outros três companheiros de prensa: Leite Júnior, Gabriel Ribeiro e Tales Saldanha.

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Para quem é novo nessa seara, a capital não somava nem 50 mil habitantes naqueles idos. Mais da metade dessa gente tinha poucas letras, mas nada que impedisse a circulação de algo próximo de magazines diferentes, fora os jornais, como informa a historiadora Rosane Kaminski no projeto Revistas Curitibanas (www.revistascuritibanas.ufpr.br).

Essas publicações era o que havia – a exemplo da Pallium e da Azul, para citar duas. O Sapo se destacava pelo nome irreverente, alusão a um apelido que, segundo o historiador David Carneiro, teria sido dado aos curitibanos pelo primeiro presidente da província, Zacarias de Góes e Vasconcellos.

Tudo indica que circulavam por aqui mais sapos per capita do que revistas de poesia. De modo que antes de os curitibanos serem associados a vampiros sombrios, por causa do Dalton Trevisan, foram comparados a seres solitários, dados aos banhados e fascinados pela luz da lua.

Vasco Taborda Ribas gostava dessa analogia e cultuava as 30 edições de O Sapo – impressas em litografia, sugestivamente na cor verde. Em 1976, foi mais longe: decidiu reeditar a revista, na forma de boletim e fundar um círculo literário em torno da publicação, tal como nos tempos do Império. Nascia a "Soberana Ordem do Sapo".

Até o fechamento desta edição não se encontrou alguém que afirmasse ser Vasco um monarquista enrustido ou um ledor de contos de fadas – o que justificaria sua ideia de dar títulos de barão e de conde a seus associados. O fato é que contra todas as evidências, a proposta encantou uma pá de gente naqueles gelados anos 1970.

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"Batuta"

"O primo Vasco era um sujeito batuta", repete o professor aposentado da UFPR Apollo Taborda França, um dos primeiros membros da Soberana Ordem do Sapo, na qual fez longa carreira. É homem pequeno e articulado. Tem 80 anos declarados – "80 é um número mais redondo, melhor do que 83, 84..." – e é o Barão do Tatuquara, em alusão às terras que sua família tinha naquela região.

Com a morte de Vasco, em 1997, ficou para Apollo a incumbência de continuar a confraria, assim como outra fundada pelo parente – a Cavalheiresca Ordem de Nhapecana. Só cumpriu a promessa sete anos depois, sendo alçado ao posto de grão-mestre, grau reservado ao mandachuva. Em 2010, quiçá inspirado pela presença de uma mulher na presidência da República, passou o bastão para sua sobrinha, a advogada Vânia de Souza Ennes, Baronesa da Vista Alegre. Em agradecimento aos serviços prestados, ganhou a alcunha de conde.

Na gestão da grã-mestra Vânia, a Soberana Ordem do Sapo passou por remodelações. Tornou-se me menos secreta e menos careta. Aos rituais criados por Vasco, somou a "Cerimônia do Sol", realizada numa cobertura do Centro. Conseguiu atrair jovens para o baronato – como o estudante de Direito André Borges Oliveira Santos, o Barão de Guayracá. E planeja acolher crianças e adolescentes. Pensa lhes dar o título de "infantes".

Ao entrarem para a ordem, ouvirão falar da revista O Sapo, do Vasco, e do tempo em que os curitibanos desviavam da saparada para andar pela rua. Em seguida, lerão o decálogo – com as regras da casa – e algo como 40 poemas inspirados no sapo, incluindo o cururu. Poucos animais tão feios merecem honraria tão bela. Coisa de nobres.

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