
O que significava para uma população inteira ver seu imperador excomungado pela Igreja Católica? Certamente simbolizava o caos. Primeiro, porque a palavra excomungar que vem do latim "ex communio" e quer dizer "fora da comunidade" está sempre associada a algo ruim, a alguém que contraiu algum mal. Se um monarca, então, estava excomungado, a sua própria autoridade poderia ser questionada, o que colocaria em risco o seu reinado. O imperador Henrique IV, da Alemanha, sabia tão bem disso que correu atrás do Papa Gregório VII para conseguir o perdão, depois que desafiou a autoridade papal na Questão das Investiduras, em que a Igreja e o império se enfrentaram a respeito das nomeações para cargos eclesiásticos. Consta que o imperador cumpriu penitências como enterrar os pés na neve durante três dias até que a excomunhão fosse revogada. Henrique acabou perdoado.
Em Cuba, Fidel Castro foi excomungado depois que instalou um governo comunista em seu país, em 1962. A notícia correu rapidamente entre os cubanos. "Houve uma grande parcela da população católica que todos os dias rezava para ver Fidel reconciliado com a Igreja", explica o professor do departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) André Chevitarese. "A excomunhão instaura dentro de um governo uma dúvida, um problema. Se Fidel não se importava, havia uma boa parte dos cubanos que estava indignada com a excomunhão", diz Chevitarese. Entre outras personalidades importantes excluídas da Igreja estão os monarcas da Inglaterra Henrique VIII e Elizabeth I, o imperador Napoleão Bonaparte e o ex-presidente argentino Juan Perón (veja os motivos nesta página).
Disciplina
Desafiar a doutrina da Igreja, questionar a autoridade papal e transgredir ou tentar alterar as normas do catolicismo são motivos que levam as pessoas à excomunhão. Para os pesquisadores, esta foi uma ferramenta há muito tempo usada pela Igreja Católica como símbolo de um poder que chegava a ser maior que o do Estado. "A Igreja precisa vigiar os desvios de seus fiéis e manter a disciplina estabelecida em Roma. Retirar do seu convívio as pessoas consideradas hereges era um ato bem pensado. Não era aplicado a qualquer anônimo, ficava reservado principalmente às pessoas que ocupavam postos de poder", afirma o professor de História Medieval da Universidade de Brasília (UnB) Celso Silva Fonseca. Martinho Lutero, por exemplo, foi excomungado porque defendia várias teses que eram contrárias à opinião da Igreja, principalmente com relação às indulgências. Ele era padre na cidade de Wittenberg, na Alemanha, e se tornou um pregador popular. "Lutero queria reformar a Igreja, questionava o porquê da necessidade de se pagar pelas indulgências. Suas ideias não foram aceitas e ele acabou excomungado", diz o professor da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) Paulo Wille Buss. Como ser excluído da Igreja significa não ter acesso a mais nada daquela sociedade, Lutero não conseguiu abrigo e alimentação com as famílias católicas: ficou exilado em um castelo da Alemanha por cerca de um ano porque perdeu também as proteções imperiais.
Doutrina
Atualmente, as excomunhões se referem a motivos muito mais de ordem moral do que política. Um dos pontos de doutrina que mais tem levado a declarações de excomunhão recentemente é a ordenação de mulheres. Em 1994, João Paulo II reafirmou a impossibilidade de mulheres chegarem ao sacerdócio, mas elas continuam promovendo cerimônias de "ordenação" como a cantora irlandesa Sinéad OConnor, no fim da década de 90. Houve casos semelhantes nos Estados Unidos em 2008 e 2007.
Em março deste ano, o arcebispo do Recife, dom José Cardoso Sobrinho, declarou que os responsáveis pelo aborto em uma menina de 9 anos que foi estuprada pelo padastro tinham sido excomungados. Segundo o Código de Direito Canônico (a lei da Igreja), as pessoas envolvidas em um aborto são automaticamente excomungadas, ou seja, não é necessária uma declaração formal. Outros motivos de excomunhão automática são profanação da Eucaristia, violação do segredo de confissão (por parte dos padres), destruição dos bens da igreja, consagração de bispos sem autorização papal e violência física contra o Papa.












