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Abel Braga faz várias mudanças no Internacional | Albari Rosa / Gazeta do Povo
Abel Braga faz várias mudanças no Internacional| Foto: Albari Rosa / Gazeta do Povo

Soluções

Os Estados Unidos estudam a melhor forma de funcionamento e fiscalização das agências reguladoras há anos. Pioneiros nesse modelo, os norte-americanos criaram esses órgãos há mais de cem anos para colocar rédeas no livre mercado, já que nesse país praticamente não existiram estatais. No Brasil e em algumas nações da União Européia, como a Inglaterra, que desestatizaram companhias nas décadas de 80 e 90, pelo contrário, as agências nasceram para regulamentar empresas recém-privatizadas. Atualmente, quatro sugestões de fiscalização têm sido as mais adotadas ou aceitas.

1) Para evitar que as agências atendam a interesses de políticos ou das empresas é necessário criar regras que garantam a transparência de suas ações. Uma delas: antes de editar uma norma, exigir a obrigatoriedade da abertura de uma consulta pública; a parte que se sentir lesada pode recorrer da decisão.

2) As reuniões da diretoria têm de ser públicas e todas as decisões só podem ser tomadas por maioria de votos.

3) As agências devem ser fiscalizadas simultaneamente pelos três poderes. Os diretores das agências deveriam ser indicados ou removidos pelos dois poderes, Executivo e Legislativo .

4) As ações relacionadas a esses segmentos não podem ser julgadas em primeira instância no Judiciário, para evitar pressões de interesses particulares. Esse é um dos pontos mais polêmicos. O ideal seria que os casos fossem apreciados por juízes tecnicamente preparados para analisar os diferentes setores.

Curitiba – As agências reguladoras estão sob ataque do governo Lula. Melhor, já sofriam pressões há um bom tempo: a primeira iniciativa da administração petista para reduzir seu poder foi em 2003, no início do mandato do atual presidente. Nos últimos meses, a incompetência da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para debelar a crise aérea deu combustível adicional às críticas. E elas não são poucas:

• "A fórmula das agências não funciona. Na prática, serviu para facilitar a promiscuidade dos interesses privados sobre o Estado", disse o ex-ministro da Integração Regional, Ciro Gomes.

• "Nós fomos eleitos e esse pessoal manda mais que a gente. Como é que pode?", afirmou o vice-presidente, José Alencar.

• "A União tem o direito de fazer o recall desses mandatos (dos diretores da agências reguladoras)", declarou Hélio Costa, ministro das Comunicações.

Essa postura é compreensível. Defensor de um Estado forte e, portanto, crítico à avalanche de privatizações que deram vida às agências, o governo petista acredita que essas instituições se transformaram em uma presa fácil do mercado. Na visão do Executivo, sem estarem sob o guarda-chuva dos ministérios, as agências se tornaram reféns das empresas que deveriam fiscalizar ou pior, em alguns casos, até parceiras em suas articulações para lesar os usuários.

As investidas citadas existem, mas a solução de deixar as agências sob a administração dos ministérios novamente, como propõe o Executivo no Congresso, é equivocada. As agências foram criadas com graus de independência do governo federal de propósito, para não sofrerem influências políticas duvidosas, como acontecia nos conselhos que fiscalizavam as estatais antes das privatizações. O risco de uso das agências para interesses privados em detrimento do bem comum não está só nas companhias, mas no próprio governo. A idéia de criar agências autônomas não era impedir a fiscalização delas mesmas ou das empresas, e sim garantir o bom funcionamento de serviços essenciais, em equilíbrio com governo, empresas e usuários.

"A preocupação é democrática. Como a democracia prevê a alternância de mandatos, esses serviços, essenciais, não podem ficar a mercê das mudanças de governo e interesses partidários. Por isso as agências precisam de independência do Executivo para garantirem a estabilidade de regras de um determinado setor", assinala Regina Pacheco, professora de governo e administração pública da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.

Isso não significa que o modelo das agências nacionais é perfeito. Há inúmeros dilemas relacionados a elas em estudos não só no Brasil, mas em outros países, principalmente nos Estados Unidos. E as soluções passam necessariamente pelo monitoramento da sua atuação pelos três poderes e pela sociedade (veja propostas ao lado). A tese, por outro lado, de colocá-las de novo nos braços ministeriais é primária.

"O debate está posto de forma errada pelo governo. Não é se precisamos das agências mais independentes ou não, ou até se a existência delas é necessária, mas organizar para que cumpram o seu papel. É compreensível a decepção com a Anac, porque o mau funcionamento da agência, criada pelo próprio governo Lula, passou do nível da razoabilidade. Mas a discussão sobre as agências tem de ser feita com sensatez para que sua função não seja desvirtuada", alerta Rachel Sztajn, professora de Direito Comercial da Universidade de São Paulo.

As agências organizam áreas que, por suas características, não podem ser deixadas sem regulamentação no livre mercado; nos casos onde está ausente a chamada "concorrência perfeita": existe um monopólio natural – como é a distribuição de água – ou outras circunstâncias, como poucos fornecedores ou porque os produtos são de difícil aquisição. "Energia, por exemplo, é um monopólio natural", exemplifica Sztajn. "Como a tendência do monopolista é tentar obter o maior preço possível, porque controla a oferta, a função das agências é fazer com que mesmo nesses casos o consumidor possa usufruir de preço e serviço adequados, que se assemelhem a um mercado de concorrência", explica.

Para serem bem-sucedidas em sua missão, as agências precisam contar com um corpo técnico de funcionários, apartidário. O que não aconteceu no caso da Anac, cujos diretores foram escolhidos simplesmente por motivos políticos, como é o caso do presidente da agência, Milton Zuanazzi, amigo da ministra Dilma.

"Com a diretoria partidária e pouco técnica não há conhecimento do setor, não há regulamentação e todos atuam como bem entendem. A Infraero faz a obra que quer, a companhia aérea faz overbooking, os ministérios tentam intervir sem conhecimento técnico, de forma partidarizada, de acordo com os compromissos de campanha. É uma visão míope do que é administração pública", lamenta Alvaro Martim Guedes, coordenador do curso de Administração Pública da Unesp.

E, por último, as agências podem e devem articular programas sociais em parceria com o governo, como deseja a alta cúpula petista. Sem, no entanto, colocar em risco a longo prazo a distribuição de um bem à sociedade. "É fácil usar as agências para ganhar alguns votos em uma eleição. O difícil é conquistar um mercado sustentável para todos a longo prazo", destaca Sztajn.

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