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Nair de Oliveira e a neta Priscila criaram a rotina de vir de ônibus do interior até Curitiba para ir a hospital | Aniele Nascimento / Gazeta do Povo
Nair de Oliveira e a neta Priscila criaram a rotina de vir de ônibus do interior até Curitiba para ir a hospital| Foto: Aniele Nascimento / Gazeta do Povo

Hospitais do estado são referência para o país

Embora o sistema de saúde do Pa­­raná tenha gargalos a serem superados, o estado conta com atendimentos que são referência para o país. Entre eles está o Centro de Atendimento Integral ao Fissurado Labiopalatal (Caif), parceria entre a Secretaria de Estado da Saúde e a Associação de Reabilitação e Pro­­moção Social do Fissurado Labio­­palatal (Afissur). O centro é voltado para o tratamento das deformidades craniofaciais e funciona desde 1992. Além do Paraná, o país conta com apenas mais um centro para tratamento do problema, em Bauru (SP).

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Saúde pode ter R$ 1 bilhão a mais em 2012

Empossado na última segunda-feira, o novo secretário de estado da Saúde, Michele Caputo Neto, conversou com exclusividade com a Gazeta do Povo sobre os principais problemas nesta área no Paraná e apontou possíveis soluções. De acordo com Caputo Neto, se a Emenda Constitucional 29 for cumprida plenamente, o estado terá R$ 1 bilhão a mais no orçamento de saúde em 2012 – a regulamentação da Emenda 29, que aguarda aprovação do Congresso Nacional, prevê efetivamente o que é gasto em saúde e exclui do orçamento da pasta gastos que não são exclusivos da área. Para o novo secretário, porém, apenas mais recursos não resolvem o problema. Formado em Farmácia, Caputo Neto foi secretário de Assuntos Metropolitanos e secretário municipal da Saúde em Curitiba.

Acompanhe os principais trechos da entrevista

Atendimento centralizado nas grandes cidades, falta de um plano de carreira, serviço psiquiátrico deficitário, pouco investimento em políticas de prevenção e, principalmente, verbas insuficientes. Esses são os cinco principais problemas na saúde do Paraná, segundo especialistas entrevistados pela Gazeta do Povo. Eles acreditam que a solução para esses gargalos passa pela questão orçamentária: sem recursos, não é possível ter um sistema de saúde de qualidade.

A principal reivindicação dos órgãos representativos da área é a regulamentação da Emenda Constitucional 29. Aprovada há 10 anos, a emenda prevê mais recursos para a saúde, com investimento de 10% da arrecadação de impostos pela União, 12% para os estados e 15% para os municípios. "É o anseio de toda a classe médica e da classe política séria. Grande parte dos municípios não faz o repasse necessário. A falta de recurso gera grande parte dos problemas na saúde brasileira", enfatiza o vice-presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), Jurandir Marcondes Ribas Filho.

Apesar de o governo estadual afirmar que R$ 2,5 bilhões do orçamento de 2010 foram investidos na saúde, nem todas as ações desenvolvidas estiveram focadas na área. A campanha Leite das Crianças e trabalhos de saneamento, por exemplo, têm entrado nos gastos dos últimos anos. De acordo com o novo secretário estadual da Saúde, Michele Caputo Neto, se o dinheiro gasto com ações não exclusivas da área for redirecionado, o orçamento da saúde para 2012 pode ter um acréscimo de R$ 1 bilhão.

Confira abaixo os temas pontuados pelos especialistas e o que deveria ser feito para reverter o quadro.

Pouca verba

O volume de recursos em saúde é considerado o desencadeador de outras deficiências na área, não só no Paraná, mas em todo o país. Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz aponta que o Brasil gasta apenas 3,4% do Produto Interno Bruto (PIB) com saúde. No Paraná, de acordo com a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), o orçamento passou de R$ 415 milhões em 2002 para R$ 2,5 bilhões em 2010 – aumento médio de 400%, que soma todas as ações na área da saúde, inclusive de outras secretarias.

"No Paraná, temos recursos físicos adequados. Porém, há falta de aproveitamento. Para resolvermos, precisamos de mais verbas, principalmente no SUS [Sistema Único de Saúde], onde existe uma falta crônica", diz o presidente da Federação dos Hospitais do Paraná (Fehospar) e vice-presidente da Confederação Nacional da Saúde, Renato Merolli.

Outro ponto negativo é o fato de o recurso ter destinação muito ampla, na visão do presidente do Sindicato dos Médicos no Estado do Paraná (Simepar), Mario Antonio Ferrari. "Entendemos que a aplicação deveria ser mais restrita. Saneamento básico e programas que incluem alimentação não deveriam ser colocados nesta conta. A solução seria um trabalho em parceria entre as secretarias já que, sem dúvida, esses são elementos importantes para a promoção da saúde".

A implantação de uma fonte de renda própria, como a possível criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS), seria positiva, segundo Ferrari. "Facilitaria uma série de definições na área". A criação do tributo, nos moldes da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), extinta em 2007, representaria um acréscimo de R$ 65 bilhões na arrecadação do governo. Para o contribuinte, significaria elevar a carga tributária anual per capta de R$ 6.700 para R$ 7.035, segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). "Somos totalmente contra a criação da CSS", diz o presidente do IBPT, João Eloi Olenike. "O problema não é de recurso, mas sim de utilizar os existentes para o setor. O que o país investe em relação ao PIB é inexpressivo analisando a contribuição [total], que deve ser de 1 trilhão e 270 bilhões em 2010".

Centralização de consultas nas grandes cidades

Desde o início de 2010, a aposentada Nair Maria de Oliveira (foto) precisa vir de São Jorge do Patrocínio, no Noroeste do estado, até Curitiba para que a neta Priscila, 8 anos, continue o acompanhamento médico, por causa de um problema renal. Munidas de cobertor e uma pequena mala de roupas para "algum imprevisto", as duas enfrentam uma noite de viagem, com passagens pagas pela prefeitura de São Jorge. Chegam cedo na rodoferroviária da capital e seguem direto para o hospital, onde ficam o dia todo na companhia de pessoas que também precisam vir para Curitiba buscar tratamento. O jeito é se distrair com lanches, cafés e cochilos breves nos bancos. "É uma viagem longa, um pouco cansativa. Acabo ficando o dia todo aqui. Mas já estamos acostumadas, nem incomoda mais", conta Nair.

Criar centros de especialidades médicas nas pequenas cidades, investir no serviço de urgência e emergência e ampliar o número de UTI’s são investimentos necessários para que o Paraná consiga descentralizar o atendimento concentrado na capital e nos maiores centros, como Londrina, Maringá e Foz do Iguaçu. "No caso de UTI’s, o Paraná poderia ser dividido em seis grandes regiões para que o paciente tivesse possibilidade de ser internado em uma cidade mais próxima da sua", sugere o presidente da Associação Médica do Paraná (AMP), José Fernando Macedo. Segundo a Sesa, o estado quase dobrou o número de leitos de UTI’s de 2002 até 2010, passando de 782 para 1.394 leitos. De acordo com a Comissão de Saúde estadual, dos 26.793 leitos de internação (não somente UTI’s) existentes no Paraná em 2009, 6.512 eram exclusivamente públicos e 20.281 estavam localizados em hospitais particulares com alguns serviços credenciados ao SUS.

O diretor-geral da Aliança Saúde, (responsável pela gestão dos hospitais Cajuru, Santa Casa de Curitiba, Nossa Senhora da Luz e Maternidade Alto Maracanã), Álvaro Luis Lopes Quintas, salienta que é necessária "retaguarda" para possíveis centros de especialidades. "É fundamental um apoio diagnóstico. O médico tem de realizar exames, biópsias e uma série de outras análises que precisam ser encaminhadas para cidades maiores, o que gera perda de tempo no tratamento".

Quintas aponta que um regime tributário próprio para a área e coordenação de ações entre o público e o privado são atitudes que podem contribuir para a descentralização. "A carga é absurdamente alta para o setor. No caso dos leitos de UTI´s, inúmeros hospitais privados têm ociosidade. O que poderia ser feito é aproveitar o que existe e direcionar recursos para onde é realmente necessário e urgente". Para que os recursos sejam geridos de maneira adequada, Renato Merolli, da Fehospar, acredita que os profissionais que atuam nos órgãos públicos devem ser especializados na gestão da saúde. "Não adianta colocar o fulano do partido tal. O primeiro escalão pode ser político, mas o segundo precisa ser técnico".

Ausência de plano de carreira para médicos

O presidente do Simepar, Mario Antonio Ferrari, acredita que um plano de carreira atraente dentro dos hospitais e dos serviços públicos de saúde, nos moldes da carreira no Ministério Público, contribuiria para que médicos e profissionais se dedicassem com exclusividade. "O Paraná já teve esta experiência na década de 1960, mas isso foi suprimido. Uma boa carreira faria com que o médico se constituísse como a espinha dorsal do sistema e vestisse a camisa". Os salários, considerados baixos pela entidade, acabam afastando profissionais com perfil para atuação no SUS. "Muitos têm essa vontade, mas acabam não entrando ao ver colegas que, no final da carreira, não são contemplados com uma aposentadoria digna", ressalta.

Atualmente, segundo o Sindicato dos Médicos, os valores pagos para profissionais que atuam nos estados e municípios variam, pois, em alguns casos, municípios estabelecem convênios com fundações e cada uma paga um salário diferente. A Lei nº 3.999, de 1961, estabelece que o mínimo recebido por um médico deve ser três salários mínimos mais um salário regional por quatro horas de trabalho. Um salário atraente, para o presidente da Associação Médica do Paraná, ajudaria o profissional a atuar em cidades menores. "Vai levar o médico a se dedicar ao paciente com mais atenção".

Serviço psiquiátrico deficitário

A reforma psiquiátrica brasileira, que prega a eliminação gradual da internação e inclui os Centros de Atenção Psicossociais (Caps), precisa ser melhorada no Paraná e no país, diz o presidente do Simepar. "Houve um investimento na área pelos centros, mas uma diminuição brutal nos leitos, o que dificulta o acesso do paciente que realmente necessita ser hospitalizado", afirma Mario Antonio Ferrari. O professor da especialização em Saúde Mental da Universidade Positivo, Francis Mourão, considera o número de Caps insuficiente no Paraná. "Muitas cidades no interior não têm um centro, nem infraestrutura para tal". De acordo com a Sesa, o Paraná conta hoje com 90 Caps, sendo 25 em Curitiba e região metropolitana e 65 no interior. A verba destinada para os 47 Caps de gestão estadual é de R$ 1,3 milhão por mês.

O presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria, Marco Antonio Bessa, aponta que o principal problema do atendimento psiquiátrico brasileiro é a postura "ideológica" de se oferecer atendimento não focado na assistência do psiquiatra. "O Ministério da Saúde incentiva que o paciente seja atendido por psicólogos e terapeutas, focando na parte social, quando, na verdade, o transtorno mental também precisa ser tratado biologicamente". Bessa crê ser fundamental a criação de políticas públicas que concedam uma rede de suporte para esses pacientes com assistência para a família, acesso a medicação e reinserção no mercado de trabalho. "Como o paciente vai fazer um acompanhamento se não tem vale-transporte? Como ele vai manter uma boa saúde mental se não tem espaço para trabalhar? O problema é complexo e a atual política do governo não resolverá".

Pouco dinheiro para políticas de prevenção

Aplicar mais verbas para prevenir doenças e trabalhar em conjunto com outras áreas, como a Vigilância Sanitária, é outra necessidade da saúde paranaense, aponta o professor do Departamento de Enfermagem da UFPR e coordenador do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva, Paulo de Oliveira Perna. O uso de agrotóxicos no estado, por exemplo, deveria ter mais atenção na área preventiva. "Muitos problemas de saúde decorrem deste uso, o que ocasiona doenças crônicas no organismo. O trabalho em conjunto com a vigilância seria de identificar os locais e monitorá-los constantemente", sugere. Vacinações, check-ups e saúde do trabalhador, diz o professor, são investimentos que deveriam ser contínuos. "Consultas que são necessárias acabam não sendo realizadas pela falta de especialistas próximos", salienta. O diretor-geral da Aliança Saúde, Álvaro Luis Lopes Quintas, frisa que programas do governo federal como o Saúde da Família são um bom exemplo, apesar de considerar que a ação ainda é "deficitária". "Precisa ser bem remunerado e qualificado, para que o salto de qualidade aconteça".

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