| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

As centenas de placas que cobrem o túmulo de Maria Bueno, logo na entrada do Cemitério Municipal de Curitiba, são um sinal de uma devoção que atravessou décadas. Nelas, homens, mulheres e até famílias inteiras agradecem por bênçãos recebidas nas mais variadas épocas, por gente de diversas regiões do estado.

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Mas as manifestações não estão registradas apenas em ferro. Além dos reconhecimentos por escrito, uma imensidão de flores e fiéis alegres ou aflitos passam pela capela onde está enterrada a mulher que há mais de 100 anos ganhou o status de mártir e santa, após ser brutalmente assassinada por um homem. O Dia de Finados, respeitado nesta quarta-feira (02), é a data em que o lugar mais recebe pessoas.

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Em cada homenagem, há uma vida transformada pela crença em um possível milagre. Como o que aconteceu a Inês Broto Sartoni, de 69 anos. Há pelo menos 20, ela visita o túmulo de Maria Bueno no feriado de 2 de novembro. Ouvia falar de sua fama, conhecia histórias surpreendentes e até comemorou quando seu sobrinho se curou de uma sinusite depois de ter solicitado uma bênção. Mas foi apenas na semana retrasada que a devota sentiu vontade de fazer seu pedido. Há anos refém de um problema de garganta que os próprios médicos desenganavam, Inês visitou o cemitério implorando ser curada. Ela conta que, dias depois, quando menos esperava, começou a tossir forte até cuspir um nódulo estranho e não sentir mais dor. “Acho que era aquilo que me incomodava. Só que ninguém sabia”, lembra. Nesta quarta-feira (02), se aproximou do túmulo, como de costume, mas desta vez, para agradecer.

Proteção para a família

Em meio à aglomeração de devotos, que começava a crescer conforme a manhã se estendia, Maria Florêncio, 78 anos, esperava para fazer uma prece. Ela, que chegou acompanhada do filho, diz visitar o lugar há 50 anos pedindo proteção à família. A maior de suas bênçãos recebidas, conforme conta, foi a paz no casamento das filhas, que se mantinha instável. “Hoje, vim agradecer e pedir que tudo continue bem. Tenho quatro filhos, sete netos e três bisnetos, todos com saúde e sou muito feliz por isso.”

Saindo da capela, outra devota, que preferiu não revelar o nome, fez o sinal da cruz e deixou o lugar, emocionada. Também em busca de uma bênção familiar, acabava de orar pelo casamento da filha, que está com problemas. Era a segunda prece que fazia à santa. A primeira foi atendida, conforme conta. Milagre ou não, a fiel não tem dúvidas de que acontecerá novamente. “No ano que vem eu volto e tenho certeza de que vai ser para agradecer de novo”, disse convicta.

A santinha de Curitiba

Segundo a historiadora e professora da Universidade Estadual de Maringá Vanda Fortuna Serafim, há várias versões sobre a vida de Maria Bueno, já que boa parte do mito atravessou décadas por meio da oralidade. A mais aceita pelos biógrafos especializados diz que a santinha de Curitiba, como é hoje conhecida, foi brutalmente assassinada por Ignácio José Diniz, em um local próximo à atual Rua Vicente Machado, no centro da cidade, em 1893. A área em que Maria foi morta se transformou em um espaço de devoções, onde fieis afirmavam presenciar ocorrências sobrenaturais e ter seus pedidos atendidos. De acordo com a pesquisadora, foi a partir da difusão desses acontecimentos que a história da santa criou força.

Vanda explica que a construção de santos, oficiais ou não, é geralmente marcada por mortes violentas. De acordo com a pesquisadora, este foi o caso de Maria Bueno, cujo trágico assassinato teria sido crucial para a formação de seu tom sagrado. A professora acrescenta que a tradição de visitar o túmulo no dia de finados passou a se tornar comum em 1961, quando a sepultura foi transferida para o Cemitério Municipal da cidade.

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Culpabilização

De acordo com a pesquisadora Vera Irene Jurkevicks, Maria Bueno era parda e pertencia às classes baixas da sociedade de Curitiba. Como era uma mulher e gostava de dançar nos bailes da cidade, era descrita pelos jornais da época como uma pessoa de conduta duvidosa e, segundo Vanda Serafim, chegava até a ser responsabilizada pelo próprio assassinato.

A historiadora explica que essa visão começa a mudar após a fama dos milagres difundida popularmente e legitimada pelo argumento da expiação pelo martírio de uma morte trágica,um dos aspectos que normalmente legitimam um santo.

Uma das obras que mais colaboraram para a construção da aura da santa curitibana foi o romance Maria Bueno (1948) de Sebastião Izidoro Pereira. O livro descreve Maria como uma mulher virtuosa que morreu em defesa de sua honra.