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Contraste

Os mundos ao longo da Brigadeiro

A estudante de Publicidade Bárbara Bufrem, 22 anos, e a dona de casa Leocádia Terezinha Ramos do Amaral, 41, moram na mesma rua: a Brigadeiro Franco, em Curitiba. Mas o mundo que cada uma habita não poderia ser mais distante. Numa tarde de quarta-feira, quando encontrou a reportagem, Bárbara se bronzeava à beira da piscina no terraço do condomínio de luxo onde mora, acompanhada do amigo Eduardo Paszcuk, 20 anos. Do topo do prédio mais alto da capital, no Centro, com 32 andares e vista panorâmica em quase 360 graus, os dois tinham a cidade aos seus pés.

A estudante mora em um dos 186 lofts do empreendimento, que variam entre 68 e 115 metros quadrados. O valor de uma unidade de 70 metros quadrados, mobiliada, gira em torno de R$ 155 mil. Além do terraço com piscina e salão de festas com bar e churrasqueira, o condomínio tem academia de ginástica com aparelhos de última geração e uma quadra de squash. A área comum conta ainda com uma sala de home theater.

Ela diz gostar da rua. "Seria melhor se fosse um pouco mais para lá", afirma, enquanto aponta para os lados do Batel pela parede envidraçada. "Mas aqui também é uma região central, perto de tudo: shopping, supermercado, bancos, balada... Só ali para baixo é meio perigoso" – o braço estendido apontando na direção da Praça Rui Barbosa.

A Brigadeiro Franco é um bem acabado exemplo do contraste entre os mundos de Bárbara e Leocádia. A rua vai mudando fortemente de característica ao longo de seus 5.395 metros entre a rica Avenida Manoel Ribas, nas Mercês, e o pobre Rio Vila Guaíra, no Parolin.

Na mesma hora em que o casal de amigos falava do ponto mais alto da rua, a menos de 4 quilômetros dali a dona de casa que prefere ser chamada simplesmente de Tereza cuidava da arrumação do pequeno barraco de três cômodos na parte mais baixa da via, na favela do Parolin, no fim de um declive vertiginoso.

Aliás, o casebre que ela divide com o marido, o servente de pedreiro Jadir Ferreira do Amaral, 40 anos, quatro filhos e dois cachorros, é a última construção do lado direito da rua, antes de ela acabar no Rio Vila Guaíra. O rio delimita o terreno nos fundos e faz as vezes de alarme meteorológico. "Toda vez que chove forte a gente tem de correr para levantar as coisas, porque alaga tudo", conta Tereza. Ela mora por ali desde que chegou de Ponta Grossa, há 33 anos.

Uma parede divide a pequena cozinha do quarto onde dormem cinco dos seis integrantes da família. Na cama de casal, Tereza e o marido. No beliche improvisado, as meninas Vânia, 17 anos, e Eliza, 13. No chão, o caçula Paulo Henrique, 11.

Jadir começou a construir um segundo pavimento em cima da cozinha – o "terraço" da família Ramos do Amaral, que ficou inacabado por falta de dinheiro. Mesmo assim, o filho mais velho, Cléverson, 16 anos, mudou seu colchão para lá. Outro detalhe chama a atenção: o dormitório conjunto é uma suíte – possui um minúsculo banheiro, com pia, privada e chuveiro elétrico.

Só foi possível conversar com dois dos filhos de Tereza, Paulo Henrique e Eliza, que chegaram das aulas em projetos sociais no fim do dia – os mais velhos só chegariam à noite. Mesmo assim, a casa estava cheia: a dona de casa recebia a visita de uma irmã e duas sobrinhas.

Tereza tem uma opinião bem diferente da de Bárbara sobre a rua. "É um horror. Cada freada que dá a gente sai para ver se nenhuma criança foi atropelada." Ela não demonstra nenhum orgulho por morar na Brigadeiro Franco. "É o único lugar que podemos morar. Se tivéssemos condições, com certeza não viveríamos aqui." A família sobrevive com renda mensal que oscila entre R$ 600 e R$ 700, valor aproximado dos salários de Jadir, Vânia (que trabalha na Câmara Municipal) e Cléverson, que é catador de bolas de tênis.

Paulo Henrique também não gosta de morar na rua. "Tem muita morte, tiro, facada...", conta. O que consola Tereza é que o marido está trabalhando e os filhos na escola e inscritos em programas sociais. Assim, quem sabe, um dia eles possam ir mais para cima da Brigadeiro Franco.

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