Companheira
Orientação dada com ternura
"A doutora Zilda será a inspiração para continuar a caminhada." A afirmação é de Eunice Vicente Cardoso, 56 anos, que, junto com a médica Zilda Arns, participou da criação da primeira Pastoral da Criança no Brasil, em Florestópolis.
Hoje, quarenta e cinco mulheres estão de luto e choram a morte de sua guia da solidariedade na missão de salvar centenas de vidas entre os recém-nascidos da periferia e da zona rural. Elas são as voluntárias da Pastoral da Criança em Florestópolis, município do Vale do Paranapanema (região Norte do Paraná), que foi o berço do movimento no país.
As lições que ajudaram a evitar mortes eram conhecidas. Zilda defendia a aplicação rigorosa de vacinas, o aleitamento materno e uma boa hidratação para crianças. Mas dava as orientações de uma maneira infalível para convencer mães e voluntárias: com ternura e dedicação.
A morte da médica não deve alterar o ritmo do trabalho da pastoral. "A doutora morreu trabalhando pelas crianças e doou sua vida pela pastoral. As voluntárias devem tomar esse exemplo e jamais deixar que o trabalho acabe", diz Nice, como é conhecida a coordenadora do movimento na cidade, há 26 anos.
O que ela disse
O início
"Comecei a trabalhar na Pastoral da Criança em setembro de 1983, junto aos boias-frias no norte do Paraná, em Florestópolis. Iniciei sozinha e depois a Secretaria de Saúde do Estado do Paraná colocou à minha disposição uma datilógrafa, que preparava as apostilas de materiais educativos, escritos por mim numa linguagem popular."Pasquim, 16/02/02
Voluntários
"O trabalho voluntário das líderes comunitárias, que são pessoas simples, é fundamental. É a presença de uma pessoa amiga espalhando solidariedade às famílias da própria comunidade que faz a diferença."Gazeta do Povo, 13/9/2008
"A maioria é pobre. Desses que trabalham na Pastoral da Criança, a metade é negro e os negros são a maioria entre as lideranças."Pasquim, 16/02/02
Vida Pessoal
"Quando estou em casa, principalmente nos finais de semana e feriados, me dedico ao máximo aos netos e me divirto brincando com eles. Também preservo a tradição de estarmos todos juntos em algumas datas festivas."Gazeta do Povo, 13/05/2007
"A cada opção que fazemos na vida, fazemos também uma renúncia. Mas meus filhos, netos e irmãos compreendem e apoiam a minha missão, isso me dá muito ânimo."Gazeta do Povo, 13/05/2007
"Assim como eu, centenas de crianças de Florestópolis corriam um sério risco de morrer e a maioria delas foi salva graças à atuação das voluntárias da Pastoral da Criança. Devo a minha vida a esse maravilhoso trabalho criado pela doutora Zilda Arns." O depoimento é do professor recém-formado Rafael José Nogueira Senhorini, 22 anos.
Responsável pela secretaria da Paróquia São João Batista, Senhorini sabe que foi encontrado pela mãe, a professora Maria Aparecida, com poucas semanas de vida, em 1988. "Ela já era voluntária da Pastoral da Criança e eu fiquei sob os cuidados das Servas da Caridade, recebendo leite materno que era recolhido de várias doadoras", conta o rapaz.
A dona de casa Andréia Vilas Boas, 26 anos, também é grata ao trabalho de orientação e prevenção das agentes pastorais. "Achei que iria perder meu filho, que não se alimentava direito e estava muito enfraquecido. Elas viram que o bebê tinha um problema na língua, e que isso o impedia de mamar direito", relata. Para a mãe, as visitas das mulheres da pastoral foram uma benção de Deus e salvaram a vida de seu filho Felipe, que hoje está com um ano e dois meses e bem desenvolvido.
As histórias das vidas salvas pelo trabalho da Pastoral da Criança em Florestópolis, no Norte do Paraná, são o melhor exemplo de que a iniciativa da médica e sanitarista Zilda Arns, ao iniciar o movimento em 1983, foi visionária e vencedora. O movimento provoca um círculo virtuoso, e isso é o que permite sua evolução e crescimento. O filho da ex-boia-fria Maria Aparecida da Silva, de 42 anos, foi salvo pelas agentes em 1987. O bebê prematuro recebeu atenção e assistência e sobreviveu. Desde 2004, Maria Aparecida retribui a gratidão de ter o filho vivo como voluntária da pastoral na cidade. Estou retribuindo a ajuda que recebi, passando orientação às cortadoras de cana, que não têm tempo para cuidar de seus filhos de forma adequada", conta.
Orientação
As agentes da pastoral combatem pobreza e doença com informação. A voluntária Maria Jacira Silva, 54 anos, atua no movimento, em Florestópolis, desde 1986. "Atendemos gente muito humilde, que precisa de orientação e ajuda tanto na gestação, com o pré-natal, como na criação dos filhos", diz. Hoje o movimento atende 450 famílias por mês no município.
Alzira Martins de Souza, 59 anos, integrante da Pastoral da Criança há 12 anos, diz que em 1998, quando as mulheres do movimento salvaram sua sobrinha, de apenas um mês de vida, ela resolveu se engajar e nunca mais deixou de trabalhar, nas visitas, palestras e outras atividades. "A criança estava desnutrida, só dormia e nem conseguia chorar. Mesmo assim, os pais não aceitavam o internamento", relata Alzira. As agentes da pastoral contornaram a resistência da família e a criança sobreviveu.
Histórias como essas relatadas pelas mães assistidas ou pelas voluntárias da pastoral se multiplicaram ao longo de 26 anos em Florestópolis e também nos municípios vizinhos. A morte da médica Zilda Arns, mentora de todas as ações e metodologia de trabalho, trouxe tristeza para as agentes e também entre a população que sempre recebeu atendimento.
"Resta-nos o consolo de que a esperança e o amor foram a maior herança deixada pela doutora Zilda Arns e temos fé que esse trabalho vai continuar e prosperar na defesa da vida", avalia Eunice Vicente Cardoso, coordenadora da pastoral em Florestópolis.
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Ação começou com famílias de boias-frias
Em uma terra marcada pela pobreza extrema e com um índice de 128 crianças mortas para cada mil nascidas vivas foi onde tudo começou, no início da década de 80. Florestópolis foi o berço da Pastoral da Criança no Brasil, onde nasceu pelas mãos da médica pediatra e sanitarista Zilda Arns Neumann. A missão, desde o início, se consolidou no seio da Igreja Católica, por meio de parcerias e voluntariado em todas as ações de prevenção e orientação.
A cidade foi escolhida como piloto para implantação do projeto, em setembro de 1983, por causa do alto índice de mortalidade infantil à época. Mais de 70% da mão de obra empregada no município era de boias-frias, trabalhadores em lavouras de cana, mantidas pela usina de açúcar e álcool de Porecatu. A baixa escolaridade da população e escassos serviços de assistência médico-hospitalar agravavam a condição de saúde dos moradores.
Os primeiros efeitos do trabalho da pastoral não demoraram a aparecer. Em poucos meses, o índice de mortalidade infantil baixou para 28 mortes para cada mil crianças nascidas vivas. Com esse saldo, Zilda Arns foi convidada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a mostrar o trabalho para outros bispos no país. Em 26 anos, a Pastoral da Criança alcançou todo o Brasil e mais 20 países das Américas. Moradores de Florestópolis comemoram o resultado do trabalho de Zilda Arns. O município encerrou 2009 com a mortalidade infantil em 4,8 mortes por mil nascimentos.
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