Curitiba O advogado criminalista Cláudio Gama Pimentel, do escritório Advocacia Pimentel, de São Paulo, vai atuar como assistente da acusação no julgamento do caso do acidente do vôo 1907 da Gol, que aconteceu em 29 de setembro do ano passado. O pedido feito ao juiz de Sinop (MT), Murilo Mendes, no dia 20 deste mês, foi aceito na quarta-feira. Pimentel foi contratado por Rosane Gutjahr, viúva de Rolf Gutjahr, vítima do acidente. Ela mora em Curitiba.
A Justiça marcou para o dia 27 de agosto os interrogatórios dos dois pilotos americanos do jato Legacy que se chocou com o Boeing da Gol, Jan Paladino e Joseph Lepore. No dia seguinte serão ouvidos os controladores de tráfego aéreo indiciados no caso. Pimentel diz que sua intenção, como assistente do Ministério Público, é tentar demonstrar, durante a instrução criminal, que os pilotos agiram com dolo eventual que é quando você assume o risco pela sua conduta e não somente de forma culposa.
O advogado criminalista, que atua nesta área há 31 anos, fala à Gazeta do Povo sobre o trabalho que seu escritório vai desenvolver como assistente da acusação. E questiona se os pilotos americanos virão ao Brasil.
O senhor está convencido de que os pilotos americanos agiram com dolo eventual?
Sim, o despreparo deles era total e absoluto. E isso envolve, no meu modo de ver, uma responsabilidade também de quem deveria ter preparado esses pilotos para voar. Me parece que a Embraer tem uma certa responsabilidade, apesar de não fazer parte do processo. A Embraer deveria ter preparado tecnicamente esses pilotos para pilotarem um avião. Na tradução da caixa-preta do Legacy, você tem dezenas de exemplos de frases e de diálogos que mostram que eles tinham total despreparo e desconhecimento dos equipamentos e do avião que estavam pilotando.
E no caso dos controladores?
Acho que eles também tiveram uma participação e no meu modo de ver culposa e não dolosa, mas eles também foram negligentes, foram imprudentes, foram imperitos na forma de conduzir este assunto.
A Justiça entende que um controlador agiu com dolo eventual.
O Ministério Público usa o argumento de que o controlador, ao passar o seu turno para outro profissional, não teria avisado do problema que estava ocorrendo. Este foi o critério subjetivo utilizado pelo Ministério Público para entender que este controlador, ao não dar a informação ao seu substituto, teria assumido o risco do resultado, que é o dolo eventual.
Além dos diálogos da caixa-preta, que outro material se pode usar para imputar o dolo eventual para os pilotos?
Durante a instrução criminal, você pode produzir todo tipo de prova. Você pode produzir prova técnica, prova pericial, prova documental e prova testemunhal. São os elementos de prova que nós pretendemos utilizar durante a instrução criminal pra demonstrar que a conduta deles foi de dolo eventual. Agora, nós temos um grande problema. Virão os pilotos ao Brasil? Ao saírem daqui eles assinaram um termo de responsabilidade perante a Justiça se comprometendo a comparecer a todos os atos processuais sempre que chamados. Só que não há nenhuma forma legal de obrigá-los a vir, se não quiserem. A ação penal só poderá ter prosseguimento se eles forem citados e interrogados.
E eles têm de ser interrogados aqui no Brasil?
Aqui no Brasil. Então a dúvida que fica é que apesar das gestões que serão feitas de forma oficial pelo Brasil para que os pilotos compareçam à audiência do dia 27 de agosto não se sabe, e eu não teria como responder, aliás ninguém tem como responder, a não ser os próprios pilotos, se eles virão ou não.
Se fossem brasileiros, eles seriam obrigados a comparecer?
Se fossem localizados, eles deveriam comparecer se citados. Se não, seriam citados por edital e o processo ficaria suspenso até que eles aparecessem. Agora, o edital para os pilotos americanos pode ser que até seja uma solução, mas não resolve o problema porque se eles não forem interrogados a ação penal não terá prosseguimento. Possivelmente, a Justiça fará um desdobramento com relação aos pilotos e a ação penal vai prosseguir contra os controladores. E todo este caso tem o lado que envolve as questões financeiras. Porque, obviamente, as seguradoras, a Embraer, a ExcelAire, a fabricante do transponder, o governo brasileiro, todo mundo está preocupado em saber quem vai pagar esta conta, todos, a Boeing, a Gol. E vai pagar esta conta aquele que for responsabilizado, aquele que for o causador do evento. Então, na verdade, isso vai terminar num grande jogo de empurra-empurra de responsabilidades. Esse é um jogo tão grande, que envolve tanto dinheiro, que efetivamente eu não saberia dizer para você aonde vai parar tudo isso. Essa realmente é uma briga de gente muito, muito, muito grande. E daqui a pouco envolvendo dois governos.
Chegando a um ponto Estado contra Estado, legalmente, tem alguma coisa a fazer?
Não. É possível fazer gestões políticas, gestões diplomáticas, mas não há nenhum tratado internacional. Há tratados internacionais entre governos para lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, terrorismo internacional. Para esses crimes, hoje praticamente todos os governos têm um tratado de cooperação, de extradição, mas especificamente para crimes desse porte quando você fala em homicídio culposo e até este momento nós estamos falando tão somente de homicídio culposo, apesar dos 154 mortos não há nenhum tratado internacional que obrigue um país a mandar para outro país uma pessoa que tenha cometido um homicídio culposo, mesmo que seja de 154 pessoas.
A senhora Rosane Gutjahr está realmente empenhada em evitar que este caso termine sem que os culpados sejam punidos.
Ela quer que seja feita justiça. E ela está convencida de que os grandes responsáveis foram os pilotos americanos. Mas ela, como todos, está percebendo que no momento em que eles saíram do Brasil e foram para os Estados Unidos, nós perdemos a única possibilidade de responsabilizá-los. Vamos lembrar do caso da bispa e do bispo (os fundadores da Igreja Renascer em Cristo, o apóstolo Estevam Hernandes e a bispa Sônia Hernandes). Por conta de US$ 50 mil eles estão presos até hoje nos Estados Unidos veja bem, eles não mataram 154 pessoas e vão cumprir pena. É assim que funciona e era isso que teria de ter acontecido com os pilotos. No momento em que você os libera assinando um papel que tem um valor absolutamente duvidoso, porque ele não pode ser executado, não pode ser exercido esse compromisso assumido por eles, a coisa vira uma palhaçada.