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A atual crise política trouxe ao protagonismo uma classe de cidadãos geralmente relegada ao silêncio – os policiais militares. Intelectuais, jornalistas e políticos da esquerda construíram a narrativa dos conspiradores, os policias seriam força bélica antidemocrática prontos a servir como alicerce do iminente golpe. A fórmula encontrada pelos progressistas foi tentar usar as legislações militares para impedir as manifestações de qualquer natureza, seja através de postagens nas redes sociais ou mesmo pela participação nas manifestações populares. A verdade é que o prestígio crescente das corporações junto a população e sua atuação legalista e democrática, como visto nas manifestações do último dia 7, frustram uma estratégia central da esquerda: a extinção das polícias militares.
Não há dúvidas de que os militares não gozam de todos os direitos dos cidadãos comuns. A natureza da carreira e a disciplina da caserna exigem que seus profissionais abram mão de algumas liberdades para servir a população. Entretanto, essas limitações não podem chegar ao ponto de desconectar os profissionais de segurança pública da população, aliená-los do discurso público. Dessa forma, os policiais se tornariam insensíveis às angústias da população e indiferentes às decisões e políticas adotadas pelos governos. Esta é a receita para transformar as corporações em milícias para ditadores.
O foco das legislações militares é, essencialmente, a proteção dos fundamentos que sustentam as instituições castrenses, que podem ser sintetizados em três pilares: a hierarquia, a disciplina e a tradição. Por isso mesmo, as transgressões disciplinares e os crimes militares, de forma geral, têm como alvo impedir que o militar use de sua condição para abalar a imagem e a autoridade das instituições, de seus componentes e comandantes.
Entretanto, existem limites muito bem definidos na possibilidade da expressão política dos militares estaduais. A vedação à atividade político-partidária é consenso, e foi a desculpa usada pelo governo de São Paulo para a exoneração do Coronel Alexander Lacerda, que havia usado suas redes sociais para convocar pessoas para manifestações – fato que se tornou um símbolo de autoritarismo contra os militares estaduais.
Mas caracterização da atividade político-partidária exige muito mais do que mera publicação de postagens na internet ou a participação em um ato público. São necessárias constância, estabilidade, regularidade no apoio, na dedicação e na prática de atos. Para que fique evidente a atividade, o militar precisaria estar vinculado e apoiar regularmente um grupo político, uma tendência ou um mandato com fim específico de obter uma vitória eleitoral. Sem esses requisitos, limitar o direito de fala dos profissionais é uma afronta clara à Constituição Federal, que garante, em seu artigo 5º, a livre manifestação do pensamento, desde que não se utilize do anonimato. E, por mais draconiano que seja um regulamento, nenhuma norma pode afrontar nossa Carta Magna.
O Código Penal Militar traz algumas proibições a manifestações públicas. O artigo 166 prevê o crime de crítica indevida, talvez a mais forte e específica limitação ao direito de livre expressão dos militares. No intuito de resguardar a autoridade militar, base para a manutenção da hierarquia, proíbe a publicação de críticas a ato de superior, a assuntos relacionados à disciplina ou a qualquer resolução do governo. Apesar de alegações de inconstitucionalidade no STF, como a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 475, ajuizada pelo Partido Social Cristão (PSL), a norma continua em vigor. O crime prevê três esferas de proibição de julgamento, censura ou opinião desfavorável por parte do militar:
- 1. crítica a ato superior: é entendida em sentido amplo, e tem como fim a proteção da hierarquia e da autoridade militar;
- 2. disciplina militar: é o lastro para estabelecimento das regras de funcionamento das corporações, não sua essência. O núcleo central da atuação policial militar é sua missão constitucional: garantir segurança pública, manter a ordem e salvar vidas;
- 3. crítica ao governo: é preciso observar a qual esfera de autoridade o militar está subordinado, uma vez que os membros das forças armadas estão sob a autoridade do Presidente da República e os integrantes das forças estaduais subordinam-se aos governadores.
Ainda que os policiais militares tenham importantes limitações em seus direitos, não são cidadãos de segunda classe. A legislação não faz nenhuma proibição ao direito de reunião aos profissionais de segurança pública. Desde que compareçam a esses eventos desarmados, sem farda e de forma pacífica, os policiais militares têm todo o direito de se posicionar e participar da vida pública, manifestando sua posição e opinião publicamente.
As redes sociais são hoje a principal forma de expressão do pensamento e da opinião. Impedir que os policiais militares possam usá-las para manifestar suas convicções ou convidar seus amigos para participação em uma manifestação popular é uma afronta à Constituição e às garantias fundamentais protegidas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos:
“Artigo 19°: “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
“Artigo 20° 1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica”
Aatuação das polícias militares durante os eventos no dia 7 de setembro desconstruiu toda a narrativa de que atuariam de forma parcial, violenta ou golpista. Todas as vertentes políticas tiveram seus direitos de reunião e manifestação respeitados, mesmo os que diariamente clamam pelo fim da polícia militar.
A maturidade profissional faz com que os mais de 600 mil militares estaduais sejam uma força democrática avassaladora, independente das convicções pessoais de seus integrantes. Violar os direitos desses profissionais através do banimento da vida pública é a receita para o caos social e para a transformação das forças policiais em milícias de tiranetes. Defender a participação social dos policiais é defender a democracia.
Essas tentativas de violação dos direitos e garantias dos policiais militares, pela esquerda progressista, não deixa de ser uma grande ironia, já que por décadas foram eles que acusaram as corporações de cometerem este tipo de abuso.
* Major da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), especialista em segurança pública e colunista da revista Blitz Digital