Imagine pastores de igrejas e representantes da comunidade LGBT em diálogo aberto, sem agressões, cada lado expressando seus dilemas e crenças de forma respeitosa. Ou um encontro em que transgêneros idosos podem encaminhar as dificuldades e desafios da sua condição, tanto do ponto de vista da saúde pública quanto da aceitação em sociedade. Ou ainda o treinamento de agentes de segurança e do serviço público para aprender a tratar com cidadania transexuais e travestis.
Pode parecer que tudo isso não combina com o governo de Jair Bolsonaro, mas são metas em andamento na Diretoria de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, que funciona no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos de Damares Alves.
A ministra, que combate a ideologia de gênero e foi criticada por expressões polêmicas como a de “menina veste rosa e menino veste azul”, prometeu ao assumir a pasta que, se precisasse, estaria “nas ruas com as travestis, na porta das escolas, com as crianças que são discriminadas por sua orientação sexual”.
E está cumprindo a promessa. Pelo menos na opinião de Marina Reidel, professora transexual que, desde 2016, está à frente da diretoria de promoção dos direitos LGBT do governo – e foi mantida, na gestão de Damares, com a mesma estrutura e equipe. Em entrevista para a Gazeta do Povo, Reidel conta como a sua diretoria está funcionando, com a anuência de Damares Alves.
No início do mandato, a ministra Damares Alves foi criticada por discursos considerados homofóbicos e chegou-se a dizer que a população LGBT teria sido retirada das diretrizes dos direitos humanos no Brasil. O que de fato ocorreu?
Estamos com o mesmo foco na promoção desses direitos, e a ministra Damares cobra e tem olhar para eles também, tentando atingir aquele menino gay ou aquela lésbica ou aquela trans lá do interior do Brasil que nem sabe que tem acesso a uma série de políticas públicas.
O interessante é que já éramos de outra gestão, toda a diretoria foi mantida, e se manteve também as propostas que estávamos produzindo. Houve um respeito também da parte da ministra, das pessoas que chegaram aqui, para entender o que estávamos fazendo, para aceitar e dar continuidade. Em nenhum momento houve um “não queremos isso”. Houve um respeito à nossa produção técnica e a todo trabalho desenvolvido até aqui.
Quais são as principais linhas do trabalho da sua diretoria?
Temos dois temas centrais: a preocupação pela empregabilidade dos LGBT e o combate à violência.
Hoje o Brasil tem mais de 13 milhões de desempregados. O ministério tem dados específicos da comunidade LGBT?
Não temos dados oficiais sobre essa população. Por isso, a partir de 2020, em convênio com a Universidade de Brasília (UnB) e outras cinco universidades brasileiras, vamos dar início a um projeto chamado “Estudo multicêntrico do perfil socioeconômico cultural geográfico e de vulnerabilidade da população de travestis e transexuais”.
O objetivo é fazer um estudo multicêntrico, uma pesquisa para trazer dados sobre a população de travestis e transexuais, porque ainda existem dificuldades para incluir essa questão no IBGE, até o presente momento. Além da UnB, farão parte do projeto a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Universidade Federal Fluminense (UFF), a Universidade Federal da Amazônia (Ufam), a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Criamos também um grupo de trabalho com pessoas do ministério e convidados de outras instituições como a ONU, o Ministério Público do Trabalho, a União Europeia e outros agentes externos para formação e capacitação das pessoas que vão atuar dentro das empresas, a partir do olhar dos direitos humanos.
E quais são os projetos para combater a violência à população LGBT?
Temos diferentes frentes. A mais próxima delas é a realização de um seminário sobre o sistema prisional e a população LGBT, quando vamos apresentar um diagnóstico sobre esse cenário no país. Depois, temos o projeto de melhorar o atendimento de denúncias dessa área no disque 100, reativar o pacto de enfrentamento à violência, aderido por 18 estados na última legislatura, entre outros subprojetos que estão em andamento.
O que está em estudo para a população LGBT encarcerada?
Em 2017, fiz uma visita ao presídio da Papuda, em Brasília, e constatei uma série de violações aos direitos humanos na ala LGBT. Não era uma ala, era uma cela com 33 pessoas. Eram muitas denúncias ao mesmo tempo. Quando voltei, pensei em desenvolver alguma coisa, porque no Brasil inteiro temos esse mesmo problema.
A primeira ação foi contratar um pesquisador consultor para fazer um diagnóstico sobre os LGBT e o sistema prisional. Esse profissional percorreu todos os estados do Brasil, com visitas em pelo menos um presídio em cada unidade da federação, e fazendo entrevistas com as pessoas e com os agentes. Também foram enviados questionários para todos os presídios do Brasil.
O diagnóstico será apresentado em seminário, no dia 28 de novembro, onde queremos provocar a construção de um documento que possa ser emanado pelo Ministério ou pelos Ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos. Porque a resolução que temos do conselho não é lei [Resolução 1º, de 15 de abril de 2014], é apenas uma orientação, uma recomendação.
Precisamos de algo mais assertivo, no sentido de normatizar essas questões. É melhor ter alas nos presídios? Então teremos. Hoje, não é em todos os presídios que temos alas ou celas para LGBTs, e é uma população que sofre duas ou três vezes mais que a população na rua. Se na rua você já sofre violência, imagine no sistema carcerário.
Esse é um tema dentro do enfoque de combate à violência que queremos trazer resultados.
Quais são os outros projetos para reduzir a violência contra essa população?
Outra diretriz é a retomada do “Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência LGBT”. Esse pacto foi lançado nos estados em 2018, para pensar em ações nas linhas de educação, saúde, segurança pública, etc.
É um pacto para estruturar o que já está sendo feito, porque tem muitas iniciativas nos estados que nós não ficamos sabendo e podem ser melhorados – além de questionar o que pode ser feito daqui para frente, quais são as metas e diretrizes comuns que é possível desenvolver. E com isso lançamos também um edital de recursos para projetos. Em 2020, queremos retomar essa questão do pacto e pensar de que forma podemos avançar ou lançar outro edital de recursos.
Além disso, estamos pensando em alguns temas que são importantes dentro do combate à violência e um deles é trabalhar o que chamamos de “diálogos bilateriais de direitos humanos”, onde um dos temas é “cristãos e LGBTs”. Porque nós queremos criar um diálogo com as igrejas por causa dos dilemas de violência e tolerância. Teremos também um seminário sobre LGBTs idosos. E outra iniciativa que já está em andamento é a parceria com outros países para discutir o tráfico e a migração da população LGBT, que sofre exploração sexual.
Como está a resolução de denúncias de pessoas LGBT feitas pelo disque 100?
Hoje, as pessoas ligam, fazem a denúncia, cai na central de atendimento que devolve para o Estado. Só que, muitas vezes, o Estado não responde e ainda não temos o acompanhamento desse desdobramento dentro do ministério. Então, criamos um convênio, a partir de uma emenda parlamentar que nós tínhamos, para construir um espaço dentro do Ministério para ter profissionais que possam ouvir as denúncias e encaminhá-las, caso nada aconteça, para os poderes competentes, para o Ministério Público, para as delegacias.
Queremos fazer um serviço melhor. Os dados apontam que temos apenas 5% de respostas das demandas de LGBT. No ano passado, tivemos mais de 1.500 denúncias LGBT; 5% não são nem 100 respostas. Precisamos melhorar isso para chegar não só a essas denúncias, mas a outras que chegam por outros canais.
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