Marité e Tximagu Ikpeng tiveram de abandonar a aldeia, no Xingu, para salvar os trigêmeos. No documentário Quebrando o silêncio, Marité relata como é o infanticídio entre seu povo. "Nasceu, já faz o buraco, já fica tudo preparado. Quando nasce, enterram a criança. Enterram vivo ou quebram no meio", descreve. "A gente não queria perder os bebês. A gente ama as crianças", diz. Por isso fugiram. "Se eu tinha de seguir as regras da cultura, não era bom para mim. Então falei: vou quebrar essa regra e tenho que seguir outro caminho". Agora, sonha cursar Medicina para ajudar a aldeia, inclusive a mudar o pensamento.
O cacique Tabata Kuikuro também abandonou a aldeia para criar gêmeos. "Como posso deixar meu filho? Alguém vai fazer mal para ele, matando ele", diz. "Eles são meus filhos, não são bichos". Nem sempre o socorro chega a tempo. Marcos Mayoruna sobreviveu, mas o irmão foi queimado vivo aos 10 anos de idade. "Nós éramos gêmeos, e o cacique José interpretou errado. Mas meu próprio povo me condenou à morte", diz. "Todos os indígenas que matam gêmeos ou deficientes sofrem depois que analisam por que mataram". Adotado por um sargento do Exército, Marcos está há oito anos no Rio de Janeiro e faz faculdade de Enfermagem.
O infanticídio é particularmente doloroso para as mulheres. Lúcia Bakairi salvou o irmão do infanticídio ao enfrentar a mãe. "Minha mãe lutou para matá-lo. Ela saiu, foi embora para o mato. De lá ela veio para falar assim: Ô criança, vai lá no mato, vai enterrar aquela criança", relata. Até mesmo quem não tem grau de parentesco se sensibiliza com os condenados. "Essa aqui é minha criação", diz Kaiana Waurá, mostrando no colo a filha adotiva. "A mãe queria enterrá-la. A tia dela a levou para a casa da avó. Aí ficou cinco dias sem tomar leite. Aí, eu falei pro meu marido que vou criar ela", conta. (MK)