Esforço coletivo
Grupo se reúne contra as palavras vilãs
Às vezes, os desafios ortográficos demandam mais esforço. Este jornal que você lê, caro leitor, foi causador de um deles. No dia 5 de novembro de 1989, a Gazeta do Povo deu a seguinte notícia: "Hipparcos desenha primeira celigrafia". Hipparcos era um satélite lançado pela Agência Especial Europeia. "Mas o que significa celigrafia?", perguntou um leitor. Ninguém sabia.
O dicionário não tinha a definição. Quando o desafio é muito grande, o time se junta, pega o material disponível para pesquisa e discute até descobrir o significado. "Depois de muito procurar, chegamos à conclusão de que celigrafia significa limpeza do céu", conta Terezinha, toda contente.
A celigrafia até hoje não entrou no dicionário. Nem no Google é possível achar a definição. Por causa desses inúmeros mistérios da língua, o Telegramática criou um fichário remissivo, que reúne as palavras diferentes. Já há mais de 10 mil definições, guardadas em um armário de gaveta cinza, no meio da sala.
Além do fichário, há também o RES (Resultado de Estudos Sistemáticos), um arquivo que contém pesquisas mais aprofundadas sobre algumas palavras. Para facilitar a vida da equipe, Nely está digitalizando o acervo de quase 30 anos de trabalho. Num primeiro momento, o arquivo digital será usado apenas pelo time. Mas, no futuro, pode ser disponibilizado para a população. Haja conteúdo!
O telefone do Telegramática é (41) 3218-2425. Dúvidas também podem ser enviadas pelo site www.cidadedoconhecimento.org.br
Eles não têm capa, nem armas futuristas ou poderes especiais, mas já salvaram muitos curitibanos de desastres... ortográficos. Chico, Valentina, Nely, Terezinha, Beatriz, Rosana e Thelmo só os primeiros nomes mesmo, assim como os nicknames dos super-heróis fazem parte da equipe do Telegramática, um serviço da prefeitura de Curitiba criado pelo professor Luiz Gonzaga Paul que em 2015 completa três décadas de existência.
VÍDEO: Veja uma entrevista com Valentina, colaboradora do Telegramática
O quartel-general da equipe fica em uma sala de 48 metros quadrados, localizada na Rua João Gualberto. Munidos de "armas educacionais" telefone, mil livros, dicionários, revistas e jornais , eles passam de 20 a 40 horas por semana respondendo a dúvidas sobre a língua portuguesa, considerada por muitos o idioma mais difícil do mundo.
Chico, cujo "nome real" é José Francisco Coelho, é o mais antigo no grupo. São 27 anos de Telegramática. Como toda a equipe, o moço magro e com voz pausada didática é professor e tem muita experiência em salas de aula. "São 32 anos. Minha cachaça é a sala de aula. Eu digo que não sei o português. O que sei é explicar o que sei da língua", conta.
E é essa "expertise pedagógica" que eles usam no serviço. Certa vez, três estudantes desesperados com uma prova ligaram para o "QG". Chico, em vez de apenas responder às dúvidas, deu uma aula. Uma não, dez. Os garotos, que deviam ter entre 12 e 13 anos, ligavam todos os dias. "Depois da avaliação, eles telefonaram e avisaram, felizes da vida, que haviam passado. Foi uma alegria que só", conta.
Aula por telefone
Essa é uma das regras da equipe. Quando um estudante liga, não basta apenas uma explicação; é preciso dar uma aula, fazê-lo pensar e se questionar sobre a língua. "Você tem de ser cordial e saber direitinho com quem fala. Pode ser um aluno, um comerciante querendo saber se o texto da placa está certo ou um jornalista com dúvidas sobre a crase", diz Valentina, que entrou para o time faz sete anos.
E falando em crase, ela, com suas dezenas de exceções, é a que gera muitas dúvidas. Só não perde para o hífen, que, desde o Novo Acordo Ortográfico que entrou em vigor em 1.º de janeiro de 2009 passou a ser o principal "vilão" derrotado pelos super-heróis da língua portuguesa.
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