As melhores histórias de cada uma das paróquias
Uma vez por mês, o salão da Paróquia do Senhor Bom Jesus do Cabral se transforma em local de entrega de cestas básicas e lanche da tarde, sob a coordenação de Áurea Bastos Aresta, de 82 anos. Carioca, veio para Curitiba em 1984 e há 20 frequenta a igreja. Orienta um grupo de cerca de 30 voluntárias a maioria já viveu mais de 80 primaveras. "É o clube da melhor idade", como gosta de brincar.
As atividades dessas senhoras beneficiam 85 idosos carentes e suas famílias. E o compromisso é sério: às terças-feiras, elas se reúnem na paróquia para pintar e bordar os panos que serão vendidos no bazar, junto às roupas e objetos doados pela comunidade. "Às vezes canso. Não sou mais uma mocinha. Mas penso que, se parar, não serão eles [os beneficiados] que vão sentir falta. Eu é que vou", diz. "O que fazemos aqui é tentar retribuir".
Restauradora
Outra personagem da paróquia é a artista plástica Mara Inês da Cruz Silva, 50 anos. Nascida em Presidente Epitácio, no Oeste do estado de São Paulo, veio morar em Curitiba em 1996, por causa do marido concursado. Deixou seus alunos de colégios e cursos de artes para tentar novas oportunidades na capital paranaense, mas não foi fácil. "Eu mandava currículos e não recebia respostas. Foi muito triste, porque eu tinha várias atividades em minha cidade", conta.
Católica, frequentava a Igreja Bom Jesus perto da sua casa, no Cabral, e pedia ajuda para encontrar uma atividade. Depois de seis anos, em 2002, algo aconteceu: rezando aos pés de uma imagem de Jesus, Mara viu um pozinho estranho saindo da madeira. "Pensei ai meu Deus, tem cupim. E saí avisar o padre". Com muita insistência, o responsável na época deixou a artista plástica examinar a obra e, após o diagnóstico, decidiu que o melhor era jogar fora. "Eu não deixei, falei que conseguia recuperar a imagem e o convenci a me dar uma chance", conta.
Foram mais de 30 peças ao longo de oito anos na paróquia, além das encomendas que recebe por fora, de frequentadores que admiram seu trabalho. "Agora tenho uma atividade. Gosto de dizer que foi Jesus quem me chamou", brinca.
Dedicação
No Centro da cidade não é diferente. A Igreja Bom Jesus localizada em frente à Praça Rui Barbosa também tem seu grupo de senhorinhas que dedicam tempo e atenção aos necessitados. Dona Antônia Fontana é uma delas. Com 89 anos mais de 70 dedicados à igreja e ao grupo de ação social, a Pia União de Santo Antônio , ela marca presença toda terça-feira, às 6h30, horário da chegada dos pães e do leite, doados aos pobres neste dia. "Sou eu quem abre e fecha o salão paroquial", orgulha-se.
Além do pão aos pobres, o grupo faz entregas de cestas básicas uma vez ao mês e mantém as atividades por meio de bazares de roupas usadas, artigos religiosos e panos bordados e pintados. Também é mantenedor do Centro de Educação Infantil Santo Antônio de Pádua e do Lar Antônia, em homenagem a dona Antônia, mais antiga integrante do grupo. "O pouco que temos devemos dividir com os outros", diz.
Colaborou Mariana Domakoski, especial para a Gazeta do Povo.
Em Curitiba, alguém que diga pertencer à Paróquia Bom Jesus terá, por força da geografia, de acrescentar a que Bom Jesus está se referindo se o do Cabral, do Centro ou do Portão. Nada menos do que três comunidades da capital paranaense elegeram para si o mesmo padroeiro.
Poderia não passar de mera curiosidade. Como explica o arcebispo emérito de Curitiba, dom Pedro Fedalto, 84 anos, a imagem de Jesus coroado "rei dos judeus", o Bom Jesus, é uma devoção do barroco português que se alastrou pelo Brasil, ganhando dezenas de denominações. O título mais conhecido é o do popularíssimo Bom Jesus do Iguape. No caso curitibano, mais do que piedade ao cubo, a coincidência virou um estudo de caso: os três centros religiosos homônimos têm tanta influência que se pode afirmar que a cidade, nessas áreas, pode melhorar ou piorar a depender da performance dos presbíteros que ali estão.
Na capital do Paraná, os três Bom Jesus se consolidaram nos tempos áureos da erva-mate, em 1901 (Centro), 1914 (Cabral) e 1916 (Portão). Com o tempo, suas capelinhas de madeira cederam lugar a ricos templos neogóticos, inspirados na Catedral de Nossa Senhora da Luz. Os bairros de seu entorno, por extensão, se tornaram marcos do desenvolvimento municipal.
Não deu outra. Hoje, o Senhor Bom Jesus, qual for, está em áreas altamente verticalizadas, sujeito a toda sorte de desatinos urbanos da pobreza e violência ao trânsito infernal. Desenvolver pastorais em zonas com essas características é uma tarefa que ultrapassa a boa vontade: faltam exemplos de como fazê-la, o que deixa religiosos em polvorosa.
Pastores e padres envolvidos com a dita "pastoral urbana" dizem que os moradores dos prédios, por terem menos relações de vizinhança, melhor poder aquisitivo e mais escolaridade, tendem a ser pouco sensíveis à rotina paroquiana, reduzida à missa de domingo, quando muito.
Por essas e outras, a barreira do concreto e das ruas faz com que muitos ministros prefiram atuar nas periferias, zonas favelizadas e cidades pequenas a ter de enfrentar o pandemônio das paróquias centrais. Por elas, transitam de fiéis intelectualizados e exigentes a miseráveis em busca da assistência que o poder público não dá conta de atender.
Não à toa, os três párocos "do Bom Jesus" consultados pela reportagem por acaso, todos na função há menos de quatro meses disseram sentir falta dos antigos postos, bem mais gratificantes do que os atuais.
Padre Arlindo Vieira, 54 anos, da congregação passionista, é uma referência brasileira em pastoral carcerária atividade que até pouco tempo praticava em Osasco, São Paulo. Hoje, tem a missão de desencarcerar dos condomínios de luxo nada menos do que 12 mil paroquianos do bairro Cabral.
Frei João Batista Zanini, 45, vigário do Bom Jesus do Centro, vem de um longo périplo pelas cidades do Oeste catarinense prósperas e ainda na escala humana. O município de Concórdia, onde Zanini atuou até pouco, tem 70 mil habitantes. De acordo com estudo da Urbs sobre usuários de transporte coletivo em Curitiba, apenas pela Praça Rui Barbosa onde o frade exerce seu ministério passam 110 mil pessoas/dia, o que inclui uma horda de empobrecidos e dependentes químicos que só a muito custo se rendem às abordagens religiosas tradicionais.
O padre Hílton Soares, 63 anos, do Bom Jesus do Portão, ainda sente ecos das cidades do interior no antigo bairro operário de Curitiba em que agora trabalha. "Percebi de cara que em vez de te o povo fala tchi. Aqui é o reduto dos novos curitibanos", comenta.
De fato. Entre 2000 e 2007, o Portão cresceu 2,88% ao ano, sendo o décimo bairro em expansão na capital, atrás da vizinha Água Verde. Só pela canaleta do Expresso, no sentido Centro, circulam 250 mil pessoas por dia. Tinha tudo para virar um lugar de passagem e sem identidade. O que não aconteceu.
Explicar por quê pode ajudar os pastoralistas. Há pistas. A igreja, construída entre 1916 e 1928, é um marco da região. A seu lado, na década de 60, surgiu uma escola paroquial, depois transformada num dos colégios particulares mais baratos da cidade. Os moradores estudaram ali, criaram vínculos, o que explica, no raciocínio do padre Hílton, a comunidade ter sobrevivido à fúrias de vias rápidas e de tantos prédios. O Bom Jesus não é uma paróquia é o próprio Portão.
A Bom Jesus do Centro, idem, também identificou seu lugar no imaginário local: o de santuário moderno. Ao mesmo tempo que distribui nada menos do que 16 mil pães por semana, a paróquia é uma Babel de pastorais. Por ali transitam a Pia União de Santo Antônio, criada em 1925, e o Neuróticos Anônimos. Aos domingos são sete missas. Lotadas. Pela Sala da Misericórdia confessionários lights, convidativos à conversa e ao aconselhamento, nunca passam menos de 30 penitentes por dia, ocupando os dez padres da casa em tempo integral.
O excesso de atividades, aliás, é uma marca do trio Bom Jesus. No Cabral, apenas dois padres atendem as levas vindas da região metropolitana. Faça as contas: pela Linha Norte-Sul passam 150 mil pessoas/dia. Muitas se benzem ao ver o templo. Não poucos descem em busca de ajuda do magnífico Centro Social da comunidade, amparo de 200 famílias assistidas.
No grande barracão, o que se vê são mulheres de cabeças brancas, correndo para atender os pobres. "A paróquia envelheceu", diz padre Arlindo. Sua estratégia para renová-la é surpreendente: envolver a turma do Cabral nas comunidades passionistas de Colombo, amenizando um dos maiores dilemas urbanos: o insulamento.
Aí é que são elas. "Os síndicos são os primeiros a inibir atividades religiosas nos condomínios", comenta padre Arlindo. No Portão, antes que o mesmo aconteça, ganha fôlego um projeto de micromunidades nos edifícios. Funciona à maneira das antigas capelas rurais, administradas por leigos. "A paróquia está perto, mas a depender do ritmo de vida dos paroquianos, pode estar longe. A saída é levar a igreja até os edifícios. Está dando certo", comemora padre Hílton.
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