Intervenções amenizam problema
Para a coordenadora de recursos hídricos da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA), Claudia Boscardin, a falta do sentimento de pertencimento com relação aos rios é um aspecto fundamental para o panorama atual.
Os curitibanos nem imaginam, mas estão caminhando sobre as águas. Canalizados em um tempo em que a cidade se expandia, os vários rios que cruzam Curitiba deram espaço ao crescimento urbano e acabaram tapados por concreto, fluindo tristes e sujos sob casas e comércios. Mas as fortes chuvas das últimas semanas revelaram que eles estão vivos e, na busca pelo espaço que lhes foi tirado, causam alagamentos. Só então as pessoas percebem que sob seus pés passa um rio. Neste ano a prefeitura recebeu, em média, dois pedidos de drenagem por dia, quase o dobro do ano passado. Não se trata de vingança da natureza. As águas apenas buscam o curso mais natural.
Diante do "desaparecimento" dos rios, moradores do bairro Água Verde resolveram inovar. O comerciante Valmir Maiochi, 55 anos, decidiu abrir uma janela para o rio que passa ao lado da sua panificadora, e assim proporcionar a quem quiser a visualização das águas, hoje poluídas. Há 25 anos no local, Maiochi admite que, devido ao mau-cheiro, chegou a fechar o espaço do rio com tapumes de madeira há alguns anos. Recentemente, eles foram derrubados. "Queremos provocar a população para que pense que os rios fazem parte da sua vida e que é preciso cuidá-los", alerta.
Enchentes ocorrem em grande parte porque o volume de água aumentou com a impermeabilização do solo e com o lixo jogado no seu leito. A repercussão dos visitantes é alarmante. "As pessoas ficam indignadas porque não imaginavam que tinha isso em uma área nobre, próxima ao Centro", diz. Diante de casos assim, o engenheiro ambiental Carlos Mello Garcias, professor da PUC-PR, afirma que o fato de o rio estar poluído na superfície leva a população a vê-lo como um valetão. E se o associa a um valetão, não é mais rio. Por isso a própria comunidade permite que o rio seja canalizado, pois assim deixa de vê-lo e de sentir o mau-cheiro.
Até o final de novembro, a prefeitura de Curitiba (através do 156) recebeu 603 solicitações para drenagem ou ocorrências de alagamento. Em, 2008, foram 355 chamados. Apesar dos pedidos, leis municipais, estaduais e federais proíbem, desde 1992, as canalizações. Garcias diz que o ideal seria reabrir todos os rios canalizados. Mas essa é uma tarefa que exige muito investimento. "O trabalho será de nossos netos, que terão que encontrá-los e desenterrá-los."
Sujos, feios e fétidos
Na opinião do especialista, a bacia hidrográfica mais comprometida é a do Belém, que cruza o centro da cidade. O grande desafio é não deixar a Bacia do Barigüi chegar ao estágio da do Belém. "É urgente que se implante uma proteção ao longo do Rio Barigüi e comece a se refletir sobre o problema dos nossos rios", comenta Garcias. As bacias do Belém e do Ribeirão dos Padilha são consideradas urbanas, ou seja, nascem e deságuam dentro do território de Curitiba (leia mais nesta página).
O engenheiro e membro da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) Arlineu Ribas diz que os rios de Curitiba são sujos, feios, fétidos e doentes. Para ele, essa situação não é condizente com uma cidade que se diz ecológica. O problema, segundo ele, não está nas obras públicas, e sim no lixo que é jogado no leito dos rios. "Temos de tratar o problema como bacia hidrográfica e não isoladamente. Tem de se criar vontade política", diz. O saneamento, afirma a professora do mestrado em Gestão Ambiental da Universidade Positivo, Selma Aparecida Cubas, foi deixado de lado há muito tempo. "Vamos trazer água de onde? E o que se está fazendo por isso?", questiona.
Segundo o gerente-geral da Sanepar em Curitiba e na região metropolitana, Antônio Carlos Gerardi, a companhia tem contribuído com a melhoria das redes, que na maioria tem mais de 50 anos. Há dois anos utilizam-se aparelhos de telediagnóstico para averiguar as condições das redes. "Hoje, 60% das denúncias chegam via Ministério Público e são averiguadas. A bacia em que mais se vem trabalhando é a do Belém, até pelo seu comprometimento", diz Gerardi. E um dos problemas percebidos em todas as vistorias, em qualquer uma das bacias, é o lançamento da água pluvial nas redes de esgoto, que não suporta a vazão de chuvas fortes, seja pela obstrução de lixo, pelas construções irregulares ou problema de diâmetro.
Excursão revela lixo, entulho e casas irregulares
A Gazeta do Povo visitou espaços públicos onde rios cruzam avenidas e se embrenha por entre casas. Especialistas acompanharam a excursão e apontaram os problemas e possíveis soluções.
Mossunguê
Na Rua Bárbara Cvintal o Rio Barigüi é largo, mas a água apresenta coloração escura e odor fétido, com construções irregulares nas margens. "As casas foram cavando o barranco, causando desassoreamento", diz o engenheiro Arlineu Ribas. Esgoto e lixo são lançados in natura. "O poder público se omite ao permitir a construção em área de preservação permanente", diz Ribas.
Seminário
Afluente do Rio Barigüi, um riozinho sem nome permanece estagnado entre uma vegetação fechada por alguns metros às margens da Rua Arthur Suplicy de Lacerda. No restante, está encoberto por construções. "Não poderia ter propriedade particular por aqui", diz Ribas.
Campina do Siqueira
O mesmo riozinho passa por baixo da Avenida Mario Tourinho, passa pela Rua Álvaro Alvim (todo canalizado) com inúmeras construções regulares. "Aqui, só se arrebentasse a rede da Sanepar e fizesse outra." O curso do rio vai até a pracinha do Batel. "O rio não tem para onde crescer quando há muita chuva", diz Ribas.
Centro Cívico
Quase todo manilhado, o Rio Belém está aberto na altura da Avenida Cândido de Abreu. A água é escura e tem forte odor. Há barreiras de contenção de concreto, e em alguns pontos é possível perceber muito limo na encosta. "Isso mostra ligação irregular de algum tipo de água residuária", diz a professora da Universidade Positivo Selma Cubas, doutora em Saneamento e professora de Mestrado em Gestão Ambiental.
Vila das TorresDepois de dois quilômetros fechado, o Rio Belém ressurge ao lado do viaduto Capanema. Ao chegar à Vila das Torres, está sujo e com mau cheiro. Há entulho no leito e muitas sacolas presas na ponte. "Se tirar o esgoto do Belém, o rio seca", lamenta Ribas. Perto do viaduto, duas manilhas quebradas demonstram a força das águas das últimas enchentes.
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