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Da esquerda para direita, Oscar Ricardo Koerbel, Pedro “Periga” e Teixeira | Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo
Da esquerda para direita, Oscar Ricardo Koerbel, Pedro “Periga” e Teixeira| Foto: Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo
  • Orizon Pereira
  • Pedro
  • Cliente nem sempre tem razão.
  • Oscar, uma das caras do Pote Chopp.
  • Com mais de 30 anos de profissão, Oscar sabe que as coisas mudaram. Gorjeta hoje não cai tanto, mas o elogio do cliente ainda faz o trabalho valer a pena
  • Em seus 40 anos de profissão, Teixeira já apartou briga feia no Triângulo e viu filas intermináveis no Bar Mignon
  • Uma mão no marchand e outra no chope: o movimento é mais fraco, mas o bom-humor continua.
  • Orizon, 64 anos de bandeja:

Eles são como um espelho que reflete o que Curitiba não é mais. Dão de ombros a esses tempos de fast-food, self-service, delivery. E mandam "o de sempre?" a fregueses que encontram religiosamente. Poços de segredos, sabem que o prefeito prefere feijoada com bastante costelinha. E que cliente chato "se cozinha em banho-maria." No trabalho, traje de gala. Bailam nos salões há décadas, afinal. Veteranos, carregam na bandeja doses de nostalgia e pessimismo. "A noite acabou", sentencia um. "A profissão é que acabou", desilude-se outro.

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Representantes de uma Curitiba de outrora e testemunhas da história, alguns dos garçons mais antigos da cidade não titubeiam ao dizer que os dias de ontem eram melhores. Não só pela gorjeta que míngua a cada dia, mas também pela falta de interesse dos novos profissionais e pela superficialidade dos clientes "express". O romantismo, no entanto, permanece nestes senhores – seja no bloquinho de notas que carregam no bolso ou na gravata borboleta que levam no pescoço.

Não é verdade, Oscar?

"Tenho 43 anos de profissão. Acho que essa é a melhor tática para ser um bom garçom, não é verdade?", diz Oscar Ricardo Koerbel. Aos 61 anos, 34 deles no tradicional Restaurante Pote Chopp, o curitibano lembra-se dos dias em que atendeu Hebe Camargo e Moacyr Franco. E ainda surpreende-se com as mudanças: da freguesia e da cidade. Pois se antes chamava o cliente pelo nome, hoje acha as pessoas "muito frias." O happy hour depois do trabalho foi substituído, ao menos ali, por outra coisa que não se sabe bem o que é. O pior é o sumiço da gorjeta. "Aí vai acabando a relação do cliente com o garçom, não é verdade?".

O deputado federal Rubens Bueno e o prefeito Gustavo Fruet são alguns que pedem para sentar na mesa do Oscar. E a conversa flui, não importa com quem seja. Oscar estudou até o 2.° ano do ginásio. "Aprendi tudo que sei na vida com o trabalho, não é verdade?" Torcedor do Coritiba, fã de Roberto Carlos e pai de um filho, Oscar mora no Uberaba. Pega ônibus todo dia para trabalhar das 10 às 15 horas; e das 18 à meia-noite. Na lida no salão, aprendeu que a relação com alguns clientes mais jovens é de pai para filho. Que a maior satisfação para um garçom é o elogio ao seu trabalho. Só ainda não descobriu como se faz um "ovo no ponto", pedido de um freguês mais criativo por esses dias.

"Periga", olha o prato

Nos anos 60, quando trabalhava como garçom no Clube Duque de Caxias, em Curitiba, ninguém podia com a agilidade de Pedro dos Santos. Chopes tulipas e mignons ao molho bechamel desciam às mesas com espantosa velocidade. "Periga cair, Pedro!", dizia seu chefe. "Pedro, periga cair esse prato aí!". Pegou.

Aos 78 anos, Pedro "Periga" trocou a presteza pela confiança. Patrimônio dos garçons, o Pedro que começou como porteiro de hotel trabalha no Restaurante Imperial há 47 anos.

"Sou viúvo. Meus amigos já morreram. Muitos garçons do meu tempo também. Para não ficar em casa sozinho, venho trabalhar."

Periga é descrente na nova Curitiba. Diz que o Centro morre à noite. Lembra-se que ia a pé aos bailões da Vila Guaíra. Hoje, "deus o livre." Bota a culpa na gente de fora, que veio para a cidade grande com uma mão na frente e outra atrás. Emociona-se quando diz que precisava botar cadeirinha para crianças que hoje, homens feitos, trazem seus filhos e netos. Também serve famosos.

Periga divide um apartamento no Centro com mais três senhores. Pequenos prazeres: escutar jogos do Atlético no rádio, comer um ensopado de carne e tomar uma cervejinha com os amigos. "E com as amigas, né. Porque ninguém é de ferro."

Teixeira, o mestre da XV

A informação assusta até os colegas de profissão, mas é verdade: o Teixeira se chama Antônio Bueno da Silva. Dividiu seus 40 anos de serviço entre os bares Triângulo e Mignon. É o dono da XV. Foi há umas três décadas que o apelido surgiu, quando deu de cantar as modas gauchescas de Teixeirinha, o Rei do Disco.

Teixeira viu as transformações de camarote. "Depois que virou calçadão, o movimento caiu." O garçom faz eco aos companheiros e, mais pessimista que nostálgico, sentencia: "A profissão acabou. Hoje o sujeito põe um paletó e pensa que sabe atender. Não sabe." Nos dedos, conta os garçons que deixaram a profissão de lado – nesse ramo, também só os mais fortes sobrevivem.

Nos bons tempos do "Minhão", atendeu Jaime Lerner, Ary Fontoura e Roberto Requião. Ri quando lembra do dia em que o tempo fechou no Bar Triângulo, nos anos 80. "Garrafas voavam. Foi uma loucura. O bar virou um rio de sangue." Tem saudades até disso. Teixeira culpa as "leis" pelo fraco movimento. "Pessoal vinha namorar e tomava um chope. A Lei Seca acabou de matar o que já estava meio morto." Histórias não faltam. Como a da origem do sanduíche marchand, um dos mais tradicionais do Bar Mignon. "Um cara que gostava do verde com pernil pedia sempre uma vina junto. Ele se chamava Marchand, e aí o nome ficou."

Orizon no Odeon

Ao tilintar de um prato na mesa ao lado, Orizon Pereira Nascimento olha assustado. Seria alguém pedindo a conta? Aos 85 anos de idade e 66 de salão, às vezes a profissão fala mais alto que a sua própria voz. Referência no Restaurante Savoia, na Rua XV, seu Orizon tem a memória em dia e uma serenidade de dar inveja a muitos vovôs. "Comecei a trabalhar em 8 de maio de 1945, quando terminou a guerra. Como garçom, foi em 1947, no Hotel Roma", diz o senhor, que pode até maltratar o português, mas arranha italiano e espanhol. Um dos garçons mais antigos de Curitiba trocou figurinhas com os ex-governadores Bento Munhoz da Rocha (1905-1973) e Moisés Lupion (1908-1991). "Gostavam de posta assada na panela." Lembra. Ri.

Para Orizon, Curitiba evoluiu de fora para dentro. "O conteúdo da cidade não acompanhou as mudanças. Aí veio a má educação, que acaba com tudo", conta ele, nascido em Caiobá (Matinhos). Orizon sente falta do movimento incessante nos restaurantes da região. "Não vencia o serviço." E de histórias que poderiam ser de um filme de Steve Martin, como aquela em que um garçom derrubou beterraba no uniforme branco e fez com que médicos à paisana se apresentassem, imaginando sangue e o pior. Houve também o caso do garçom novato que, ao ouvir "quatro menus, por favor", foi logo avisando ao cozinheiro que um pessoal queria alguma coisa esquisita que não estava no cardápio.

Nos anos 50, Orizon era assíduo do Cine Odeon. Queria se inspirar nos garçons que via na telona, impecáveis. Hoje, ele veste paletó vermelho. "Branco suja muito." Orizon teve 7 filhos e adotou três. Em casa, se diverte com Tica, Pepe e Nina, labradores espevitados. Quer tirar o atraso. "A vida? Eu não vi. Quando vi, já estava velho."

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