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Ativismo ambiental

Os verdes se rendem ao capital

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Instituições de proteção ao meio ambiente deixaram de ter as doações de ativistas e simpatizantes como única fonte de renda. Algumas delas também têm tentado fugir da dependência de recursos públicos. A saída encontrada por organizações não-governamentais (ONGs) foi se adaptar às regras de mercado e, assim, incrementar a captação de recursos para financiar projetos. Anuidade de cartão de crédito, venda de títulos de capitalização e até aplicação em ações de bolsa de valores estão entre as estratégias.

Algumas das iniciativas despertaram incredulidade até mesmo em profissionais de mercado, acostumados a pensar na lógica capitalista da negociação de produtos. "A primeira edição era de 100 mil títulos de capitalização e algumas pessoas duvidavam que seria possível negociar isso. Mas já passamos de 3 milhões de títulos", conta Mário Mantovani, coordenador de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica. O cliente que compra o título financia o plantio de árvores. "É difícil concorrer com outros que oferecem sorteio de carros de luxo e até de aviões, mas conseguimos", diz. Além de programas sociais, pelos menos dois outros projetos ambientais – da Fundação Amazônia Sustentável e do projeto Tamar – têm títulos de capitalização associados.

Pioneirismo

Mantovani afirma que uma das primeiras atitudes voltadas para a lógica de mercado foi o cartão de crédito associado ao SOS Mata Atlântica, em 1995. "Foi na época que virou moda o cartão afinidade, principalmente relacionado a times de futebol", conta. Foi um sucesso tão grande que hoje a ONG lidera o ranking, com 380 mil unidades. O número de cartões da SOS é, no mínimo, dez vezes maior que o do segundo colocado. "Nem o Corinthians pega a gente", brinca Mantovani. Ele reconhece que a estratégia também aproximou a entidade da população.

Uma das marcas do sistema capitalista – a bolsa de valores – também é usada como um instrumento de captação de recursos para projetos ambientais. A Bovespa tem uma plataforma destinada a atrair investidores para as chamadas "doAções". A Bolsa de Valores Socioambientais (BVSA) funciona desde 2003 selecionando projetos. A diferença para uma doação convencional é o intermédio da Bolsa – que é quem arrecada os recursos e só repassa mediante garantias rígidas de prestação de contas e do acompanhamento do projeto. "O investidor conta com a credibilidade da bolsa e com esse aval. Ele já pula a etapa de saber se a ONG é séria. Aliás, o interessado em doar às vezes nem tem como conseguir informações sobre a instituição", frisa Sônia Favaretto, diretora de Sustentabilidade da Bovespa.

A Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) figura entre as entidades escolhidas pela Bolsa em 2012. O projeto Condomínio da Biodiversidade (ConBio) incentiva proprietários a manterem áreas verdes, prestando apoio técnico sobre conservação e sobre os passos para a criação de Reservas Par­­ticulares do Patrimônio Natural Municipal.

Elenise Sipinski, coordenadora do ConBio, conta que o projeto existe desde 2001 e que a inserção da BVSA garante mais visibilidade à proposta. Também a ONG paranaense Mater Natura tem um projeto aprovado pela BVSA.

Avanço"Jogar o jogo" é uma iniciativa muito saudável, diz especialista

Para Sônia Favaretto, diretora de Sustentabilidade da Bovespa, é um avanço que instituições de proteção ambiental tenham percebido como funciona o mercado. "Não tem mais espaço para radicalismos. Algumas ONGs que eram combativas passaram a sentar na mesa de negociação. Deixaram de ver o mercado como um demônio", comenta.

Adauto Basílio, consultor de captação de recursos de ONGs, acredita que "jogar o jogo" do mercado é uma iniciativa muito saudável no caminho de diversificar as formas de conseguir financiamento para projetos ambientais. Para Mário Mantovani, da Fundação SOS Mata Atlântica, a profissionalização das ONGs não pode ser considerada uma tendência. "Tem de ter que ter capacidade institucional para estar no jogo de mercado", diz. Ele complementa que é preciso trabalhar com muito mais transparência, promovendo auditorias, por exemplo, para se adequar ao sistema.

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