População desconhece instituição
Em 4 de abril deste ano, o repositor de supermercado Diogo Chote, de 24 anos, foi assassinado na divisa entre Curitiba e Colombo. A família do rapaz acusa a polícia de ser responsável pelo homicídio. Desde a morte do filho, Benedita Silvério Chote afirma ter conversado com diversos policiais. Nenhum deles, porém, teria indicado a ouvidoria. "Sei que o Gaeco [Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, do Ministério Público] está investigando, assim como a Polícia Militar. Mas nunca ouvi falar dessa ouvidoria de polícia", diz.
Mais da metade das ouvidorias de polícia do país entre elas, a do Paraná não cumpre uma de suas principais funções: acompanhar as mortes que envolvem policiais. É o que mostrou uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV), da Universidade de São Paulo, em 14 das 17 instituições existentes no Brasil. A análise foi encomendada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH). À exceção de poucas federações como São Paulo, Pará e Rio Grande do Norte , os órgãos, em geral, se transformam em uma espécie de Serviço de Atendimento ao Consumidor, onde a população reclama, elogia ou sugere, mas não vê resultados.
Nas décadas de 1980 e 1990, o abuso da força policial se tornou praxe. Alguns livros, como Rota 66, do jornalista Caco Barcellos, ajudaram a revelar os abusos. Barcellos, por exemplo, mostrou as técnicas de execução das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota), em São Paulo. A partir daí, os movimentos de direitos humanos exigiram a criação de ferramentas independentes focadas no controle da polícia. Na teoria, as ouvidorias assumiriam a responsabilidade de exercer essa vigilância. "Um de seus objetivos é supervisionar a polícia com liberdade", explica a coordenadora da área de Direitos Humanos e Segurança Pública da SEDH, órgão vinculado à Presidência da República, Isabel Figueiredo. A realidade, contudo, mostra outro panorama.
Em Curitiba e região metropolitana, a falha pode representar uma possível explicação para as mortes em confrontos com policiais. Nos primeiros 116 dias deste ano, entre 1.º de janeiro e 26 de abril, foram registradas 46 ocorrências dessa natureza, conforme levantamento da Gazeta do Povo divulgado em 28 de abril. Ou seja, a cada três dias, em média, uma pessoa morre em abordagens policiais. Os casos apresentam o mesmo padrão: a vítima chega morta ao hospital e a polícia diz ter encontrado um revólver calibre 38 em seu poder. O perfil também se repete: em geral, homens entre 18 e 25 anos, acusados de envolvimento em roubos de carros ou tráfico de drogas.
Esses casos representam o tipo de demanda em que a ouvidoria deveria atuar. "Ela não vai investigar, mas monitorar como são realizadas as investigações", explica Isabel. "Em São Paulo, por exemplo, requisita cópias de todos os processos e pede diligências". Na atuação ideal, a ouvidoria seria um contraponto às corregedorias, órgão em que a polícia investiga a própria polícia. "Não há proteção para a carreira. Quem você investiga hoje pode ser seu superior amanhã", esclarece Isabel.
A independência da ouvidoria, entretanto, não ocorre em boa parte dos estados analisados pelo estudo. As instituições esbarram em dificuldades que impedem o desenvolvimento de um trabalho modelo. Além de poucos e mal treinados funcionários, praticamente não existem orçamentos específicos para o órgão em todo o país. Por isso, de maneira geral, os trabalhadores estão "emprestados" por outras secretarias dos governos. Essas dificuldades destroem o sonho da autonomia nas ouvidorias.
De acordo com o ouvidor de Polícia do Rio Grande do Norte, Geraldo Soares Wanderley, coordenador adjunto do Fórum Nacional de Ouvidores, não havia necessidade de estudo para escancarar a situação. "Apesar de serem formatadas a partir da orientação do Fórum Nacional de Ouvidorias, poucas são independentes. Em alguns estados, os ouvidores são indicados pelo governador. Com isso, a ouvidoria fica à mercê do poder político das respectivas secretarias e governos a que estão vinculadas", afirma.
Wanderley defende que, por analisar um setor fechado e autoritário, as ouvidorias devem criar vínculos estreitos com a sociedade civil. "A área de segurança pública e o sistema de justiça são fechados e atrelados com o poder. Se o ouvidor for subordinado a alguém, perde a independência, pois precisa passar sempre pelo crivo dos superiores", diz. "Com isso, não vai acompanhar os abusos de autoridades, os grupos de extermínio, as operações inadequadas e desastrosas que resultam em letalidade graciosa, que é o que a polícia brasileira mais faz."
Modelo
Apesar das falhas mostradas pelo estudo, o modelo das ouvidorias de polícia é avaliado positivamente na questão da segurança pública, desde que exista independência. "O único caminho possível é estabelecer processo no qual haja autonomia, tanto em ouvidorias quanto em corregedorias. Caso contrário, não funciona", afirma Pedro Bodê, coordenador do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Com muito a evoluir, a simples existência dessa instituição já pode ser considerada avanço. "É algo fundamental em todo e qualquer órgão, inclusive o policial. Ouvir a reclamação e tentar resolver os problemas que surgem", diz Bodê.
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Serviço:
A ouvidoria das polícias do Paraná fica na Rua José Loureiro, 376, 3.º andar (em cima do Instituto de Identificação). Telefone: (41) 3224-3232 e 0800-410090.
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