A estudante Elaine Michele Amaral, 20 anos, pegou dois ônibus e rodou por 30 minutos até chegar na Unidade de Saúde 24 horas da Boa Vista, em Curitiba, ontem. Ela saiu de Colombo, na região metropolitana, com a filha Luana Bonfim, de um ano, nos braços para uma consulta com o pediatra. A menina está com febre desde terça-feira e Elaine disse que não conseguiu atendimento. "No posto de Colombo me disseram que só se fosse agendada e que teria consulta depois de três dias. Então a gente tem que adivinhar quando vai ficar doente?", desabafa. Indignada, ela relata que espera desde junho por uma consulta de oftalmologista em Colombo e que acaba vindo para Curitiba por ter certeza de atendimento.
Situações como essa acontecem todos os dias nas cidades que mais concentram infra-estrutura médica. O secretário municipal de Saúde de Curitiba, Michele Caputo, diz revoltado que uma frota de veículos vem à capital diariamente para "despejar pacientes". "Num ônibus está até escrito a saúde levada a sério", ironiza, dizendo que o verbo deve estar sendo usado no sentido de transportar.
Curitiba cumpre acordo que prevê 30% das consultas com especialistas para pessoas de outras cidades. Mas esse pacto vale apenas dentro de um sistema organizado, com agendamento. Tudo o que acontece fora disso acaba sendo custeado pelo município. Como as cidades recebem recursos federais para investir em saúde conforme o número de moradores, há uma distorção no sistema.
A gerente do sistema de urgência em Londrina, Rosângela Libanori, explica o motivo da invasão de pacientes. A cidade é considerada referência nacional em atendimento médico, o que torna natural a atração de pacientes de outros locais. Por conta disso, na macroregional com mais de 80 cidades que são atendidas por Londrina alguns serviços são exclusivos. "Quem tem câncer só faz tratamento aqui", explica. A situação cria distorções. O número de leitos hospitalares é insuficiente para a demanda, mas seria satisfatório para atender somente os londrinenses. "Entre 35% a 38% das internações são de fora", relata.
Outro indicativo de que a superlotação no sistema não se deve aos moradores locais é de que todo o cadastro de atendimento é informatizado e existem mais de um milhão de registros, sendo que a população é inferior a 500 mil. "Muita gente dá endereço de parentes para ser atendido", diz. No posto de saúde do distrito da Warta, por exemplo, 70% dos hipertensos tratados são de outras cidades. "São pessoas que não votam aqui, não pagam imposto aqui", destaca.
O secretário municipal de Saúde de Maringá, Antônio Carlos Nardi, avalia que a pressão por atendimento regional força os pólos a super-estruturar a rede de atendimento. Esse processo seria até considerado natural, se as responsabilidades (leia-se aplicação de recursos) fossem divididas proporcionalmente com os governos estadual e federal. Como os municípios menores não têm demanda para oferecer serviços médicos complexos, a regionalização é a saída, desde que a cidade pólo seja compensada. A prefeitura de Maringá compromete 28% do orçamento muito além dos 15% exigidos pela lei com saúde.
Inchaço
O diretor de Sistema de Urgência de Curitiba, Matheus Chomatas, afirma que as unidades 24 horas atendem a todos os pacientes, sem questionar a procedência. Em algumas, a demanda de pacientes de outras cidades chega a 50%. No programa Mãe Curitibana, por exemplo, a estimativa é de que de 5% a 20% das mulheres atendidas são de outras cidades. "Elas vem para o pré-natal e se mudam para a cidade uns quinze dias antes do parto. Só quando vamos fazer a visita na casa no primeiro mês da criança é que descobrimos que mentiram o endereço", relata.
Herdar pacientes não é exclusividade de grandes centros. Com 26 mil habitantes, a cidade de Nova Esperança, na região Norte, atende pessoas de pelo menos três cidades vizinhas. A secretária municipal de Saúde, Rosângela Guandalin, conta que são pelo menos três casos por semana. Mas Nova Esperança também acaba mandando pacientes para outras cidades, como Maringá e Campo Mourão.
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