Cerca de 400 pessoas esperavam na tarde da última terça-feira para passar por uma consulta com a médica Shellyana, uma extraterrestre que vive na constelação de Plêiades. Não, não se trata de um filme de ficção científica. Medicina e vida fora da Terra se encontram em São Paulo, mais especificamente na Vila Mariana, zona sul da capital paulista, na figura da médica cirurgiã Mônica de Medeiros, de 53 anos, formada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Vem dela o conceito de medicina extraterrestre, prática que já chamou a atenção do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp).O portão azul é o endereço da Casa do Consolador, definido por Mônica como um Centro Universalista, sem religião definida, que atende cerca de 7 mil pessoas por mês com base no que ela chama de "fraternidade universal". São feitos trabalhos em prol de crianças carentes e de animais abandonados. Por lá, o conceito de medicina extraterrestre é comum tanto entre os que buscam atendimentos quanto entre os voluntários. Há quem diga que já tomou vacinas contra a gripe aviária produzidas por extraterrestres, distribuídas gratuitamente. Outros levaram suas crianças para passar por uma mudança de DNA, sob a promessa de adquirir imunidade contra todos os tipos de doenças.
"Sabia que ela falava que curava mas nunca vi laudos de cura de aids, câncer ou qualquer outra doença. Se ela diz que cura precisa provar porque as pessoas que estão doentes e as famílias acabam se apegando a isso", diz a pesquisadora metafísica Angela Cristina de Paschoal, que afirma ter trabalhado com Mônica como voluntária.
A investigação do Cremesp, que abriu uma sindicância para apurar o caso, corre em sigilo e também leva em conta alguns vídeos que circulam pela internet. Neles, Mônica fala sobre cura inclusive para câncer e aids. A investigação foi iniciada em 18 de junho depois que a profissional declarou que atendia no centro, enquanto médium, pessoas abduzidas por extraterrestres. A informação foi dada à reportagem do jornal Folha da Região de Araçatuba, no interior do estado, em 2009. Sobre os vídeos, a médica garante que não passam de montagens feitas por gente disposta a prejudicá-la.
No 16.º DP (Vila Clementino), Monica abriu um boletim de ocorrência por calúnia, injúria e difamação que já virou inquérito. E garante que nunca misturou sua atividade médica com a atuação como médium. "Quanto à cura que o extraterrestre é capaz de fazer, tudo depende da fé". E continua: "Para algumas pessoas nada vai acontecer, outras vão sair de fato curadas".
Antes de ouvir Mônica, a reportagem frequentou a Casa do Consolador durante dois dias, como paciente, em busca de ajuda espiritual para uma doença nos pés. Nos atendimentos espirituais, a recomendação dada à repórter e aos demais era a de que o tratamento médico convencional não deveria ser abandonado. Há avisos semelhantes em panfletos distribuídos no centro e nos cartazes colados pelas paredes.
Em nenhuma das ocasiões a reportagem presenciou Mônica prometendo cura ou atuando como médica. Mas grande parte das pessoas da fila estavam em busca, sim, dos poderes de cura da extraterrestre Shellyana cuja energia é canalizada por Mônica, segundo a própria médica, desde 2004.
Fórum
O abandono de tratamentos convencionais por terapias alternativas é a preocupação dos representantes do Fórum de Ongs Aids de São Paulo. O órgão informou que irá entrar com uma representação contra a médica no Ministério Público Estadual. "Nossa preocupação é que algumas pessoas, acreditando nessa promessa de cura, interrompam seus tratamentos", afirmou o assessor jurídico do Fórum, Claudio Pereira.