Trinta e um anos após ter sido expulso do Brasil - depois de ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional e ser atingido pelo então recém promulgado Estatuto do Estrangeiro - o padre italiano Vito Miracapillo voltou na noite desse sábado (07) ao município de Ribeirão (PE), para comemorar o visto de permanência, pelo qual lutava há mais de uma década.
Ele comemorou com a celebração de uma missa na igreja de São Pedro e São Paulo, na periferia da cidade, localizada a 87 quilômetros do Recife. À liturgia compareceram apenas moradores de Ribeirão, e a cerimônia foi simples, sem presença de políticos, autoridades nem de representantes de grupos de defesa dos direitos humanos. Com acompanhamento de uma bateria, uma guitarra e a pequena Igreja lotada, Padre Vito conclamou: "Vamos dar graças a Deus, porque o Ministério da Justiça reconheceu que aquela expulsão foi um ato ilegal e arbitrário da ditadura", disse, pouco antes de dar início à solenidade religiosa. E
le afirmou, também, que nunca se afastou totalmente do Brasil, mesmo quando estava proibido de visitar o país mesmo como turista: "O avião da expulsão encontrou caminho para voltar. Em 1980, a expulsão não me afastou totalmente do Brasil. Mesmo impedido de entrar no país, sempre me mantive próximo porque centenas de pessoas iam me visitar em Andria, onde exerço minha missão sacerdotal", disse.
O padre está no Brasil para tratar da burocracia necessária para ratificar seu visto de permanência no país, onde ele só podia ficar como turista, com prazo máximo de permanência de três meses. A solicitação foi acatada pelo Ministério da Justiça, depois de uma longa espera, durante a qual ele chegou a apelar ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sempre em vão.
O decreto de expulsão do padre, assinado pelo então presidente João Baptista Figueiredo em 1980 foi revogado em 1993 pelo então presidente Itamar Franco, mas o padre enfrentava constrangimentos todas as vezes que vinha ao Brasil.
Ele foi expulso a pedido do então deputado estadual Severino Cavalcanti, então no PDS, que depois seria Presidentre da Câmara Federal e terminaria envolvido no escândalo do mensalinho. Cavalcanti invocou o uso do Estatuto do estrangeiro um dia após ele ter sido promulgado
Isso porque naquele ano o padre se recusou a celebrar uma missa em homenagem à independência do país, alegando que o povo brasileiro não era independente. O pedido para a celebração havia partido do então prefeito de Ribeirão, Salomão Correia Brasil (PDS), correligionário de Cavalcanti. O padre disse que não tinha o que comemorar com o povo "na condição de pedinte e desamparado dos seus direitos".
Neste sábado o religioso disse que faria tudo de novo, caso a situação fosse ainda a mesma. Observou, no entanto, que embora a pobreza ainda seja muito grande, a vida das pessoas mudou na região canavieira de Pernambuco. "O Brasil está caminhando para melhor, diante de tudo aquilo que era a vida passada sob a ditadura, e está criando condições de autêntica democracia", disse.
Pouco antes de ser expulso, em 1980, o padre participava de uma missa de desagravo, quando a igreja de Santana - a principal da cidade - foi invadida por senhores de engenho e usineiros que acabaram a cerimônia usando porretes e armas de fogo. Neste sábado, na igreja, algumas pessoas ainda externavam temor diante do epsódio
"Tive medo demais. Era todo mundo armado e até o fio do microfone eles cortaram. Foi uma tristeza e uma vergonha para Ribeirão e para o Brasil", lembrava Maria José Nunes de Lima, 62, que assistiu à agressão em 1980.
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