Entrevista
Biogás seria melhor aprovaitado como combustível, diz especialista
As empresas que coletam o lixo deveriam usar o biogás dos aterros sanitários como combustível e substituir o diesel utilizado pelos caminhões de coleta, na opinião do superintendente de Energias Renováveis de Itaipu, Cícero Bley Júnior. "Essa coleta feita porta a porta, que usa o combustível mais poluente, é insustentável", avalia.
De que forma podemos aproveitar melhor os resíduos sólidos urbanos?
Temos no lixo orgânico uma grande fonte de geração de energia, não apenas elétrica. O ideal é usar essa energia como combustível. Está cada vez mais caro manter o sistema atual, que exige uns 50 caminhões em uma cidade do porte de Curitiba, em que cada um transita mais ou menos 30 quilômetros por dia abastecido com diesel. Isso corrói os orçamentos municipais e precisa ser revisto no curto prazo.
O uso do biogás é viável economicamente? A tecnologia já está disponível?
É totalmente viável e totalmente possível. Os caminhões poderiam despejar o lixo no aterro e já serem abastecidos com o gás natural. É muito fácil, mas não é feito porque as empresas preferem jogar o diesel no custo da planilha, para as prefeituras pagarem. Mas não dá para ficar pedindo para o governo subsídio no diesel para reduzir o preço da coleta. É preciso substituí-lo, ou, quem sabe, usar modelos híbridos de gás e diesel, apenas como garantia.
Seria preciso uma lei para essa prática entrar em vigor no Brasil?
O que precisa é atitude administrativa dos prefeitos para exigir que seja feita a substituição. Até quando eles vão se omitir dessa discussão? Até quando a sociedade vai suportar isso? As empresas de coleta de lixo fazem contratos milionários, mas não têm compromisso nenhum com as cidades. O negócio principal delas, que é o transporte, deveria usar obrigatoriamente o combustível gerado pelo próprio negócio.
Cícero Bley Jr., superintendente de Energias Renováveis de Itaipu e representante do Brasil no Grupo de Trabalho Energia a partir do Biogás e do Gás de Aterros da Agência Internacional de Energia (AIE).
Uma projeção da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) indica que o Brasil tem potencial para, no ano de 2039, atingir a produção de 282 megawatts (MW) de energia a partir do lixo orgânico. Além de reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEE), a iniciativa é mais uma fonte de energia renovável, suficiente para abastecer uma população de 1,5 milhão de pessoas. O desafio atual é implantar os projetos para tornar realidade esse cenário. Hoje, de 23 aterros com ações de aproveitamento energético cadastradas, apenas dois estão comercializando a produção.
A estimativa feita pela Abrelpe levou em conta apenas aterros que preveem o aproveitamento energético do biogás e que estão cadastrados na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Há ainda outras 23 unidades com registro de queima de biogás, sem geração de energia, totalizando 46 projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo registrados pelo Brasil. Todos os dados constam do Atlas Brasileiro de Emissões de GEE e Potencial Energético na Destinação de Resíduos Sólidos, da Abrelpe.
O Paraná tem apenas um projeto de aterro com aproveitamento energético, que ainda está em fase de validação. É o aterro sanitário da Estre Ambiental, em Fazenda Rio Grande, que está recebendo o lixo gerado em Curitiba e região metropolitana desde 2010. Mas, como a geração de gás metano é muito baixa nos anos iniciais de um aterro, a primeira ação será apenas a queima desse insumo, o que é benéfico para o meio ambiente já que é bastante poluente.
Este é o único projeto do tipo na Região Sul, segundo o estudo da Abrelpe. A maioria das iniciativas está no Sudeste 16, das quais nove em São Paulo. Dessas, os aterros de São João e de Bandeirantes já produziram 1,2 milhão de MW/hora desde janeiro de 2004.
Travas
Apesar de já haver tecnologia disponível, os estudos sobre o tema ainda são necessários. "Esses projetos já existem em muitos países, mas ainda não se mostraram viáveis economicamente", explica Lauro Elias Neto, gerente do Departamento de Mecânica e Emissões do Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento (Lactec). Na opinião dele, são necessários subsídios governamentais para o desenvolvimento de estudos. "É preciso analisar qual método utilizar para aproveitamento do gás: a biodigestão, que é um processo natural, ou a gaseificação, em que o gás passa por altas temperaturas", acrescenta.
Aneel avalia sete propostas da Copel
Em julho do ano passado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) lançou uma chamada de projetos estratégicos para desenvolvimento de ações de geração energética a partir do biogás. A Copel enviou oito propostas de projetos, das quais quatro têm relação com resíduos sólidos urbanos ou aterros sanitários. Por lei, todas as concessionárias de energia elétrica precisam aplicar uma parte de seu faturamento em pesquisa e desenvolvimento, e o papel da Aneel é verificar a relevância das propostas apresentadas.
Apenas uma proposta da Copel já foi avalizada pela agência o reaproveitamento de biogás a partir dos efluentes domésticos. Entretanto, a companhia paranaense ainda não decidiu se vai realmente implantar esse projeto, que tem custo estimado em R$ 8,5 milhões e prazo de duração de três anos. Um dos projetos que ainda está em análise da agência é o aproveitamento do biogás do Aterro do Caximba, em Curitiba, que operou entre 1989 e 2010. "O fato de ter ocorrido essa chamada pública já é um avanço, pois pretende o desenvolvimento de projetos estratégicos", avalia Lauro Elias Neto, do Lactec.
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