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Procedimento exigiria maior informatização

As desconfianças sobre a legalidade da audiência por videoconferência só deixaram de existir em 8 de janeiro deste ano, com a Lei 11.900. Antes, São Paulo havia criado lei estadual habilitando a realização da transmissão. A legislação, contudo, foi considerada inconstitucional. A 11.900, hoje, é válida para todo o país.

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Critérios

Conforme a lei 11.900/09, a audiência por videoconferência deve ser usada de forma excepcional, quando solicitada pelo juiz ou por meio de requerimento das partes. A legislação prevê critérios para adotar o processo:

> Prevenir o risco à segurança pública, em caso de suspeita de que o preso integre organização criminosa ou que possa fugir durante o deslocamento.

> Viabilizar a participação do réu no processo, quando haja dificuldade para seu comparecimento em juízo, sobretudo em caso de enfermidade ou circunstância pessoal.

> Impedir influência do réu sobre testemunhas ou vítimas (desde que não seja possível colher seus depoimentos por meio de videoconferência).

A primeira audiência por videoconferência do Brasil foi realizada na última sexta-feira, na Peni­­tenciária Federal de Catanduvas, no interior do Paraná. O processo evitou os elevados gastos com o aparato de segurança para o transporte do traficante Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco. Apesar de re­­cluso em Catanduvas, o detento res­­ponde por associação ao tráfico de drogas, na 36.ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, e pelo assassinato do jornalista Tim Lopes, em 2002. Desde 8 de janeiro deste ano, a Lei 11.900 permite audiências via videoconferência em casos es­­pecíficos, desde que solicitada pelo juiz da causa ou pelas partes do processo.

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De acordo com o diretor da Pe­­nitenciária Federal de Catanduvas, Fabiano Bordignon, entre R$ 20 mil e R$ 30 mil foram economizados apenas com a videoconferência de Elias Maluco. Neste ano, apro­­ximadamente 140 escoltas de presos foram realizadas. Ou seja, podem-se poupar cerca de R$ 2,8 milhões com a difusão do procedimento. "Os benefícios ultrapassam a esfera da penitenciária, porque se evita a escolta desnecessária com grande aparato de segurança", explica Bordignon. Em geral, nos traslados, há equipe de oficiais acompanhando o deslocamento até o aeroporto. Depois, um grupo de agentes, normalmente seis, segue até o local da audiência, além da força-tarefa mobilizada na própria cidade. A segurança, porém, cresce na mesma proporção da periculosidade do criminoso.

As facilidades do processo não beneficiam apenas o Estado e podem se estender aos detentos. "No processo penal, é comum haver troca de juiz da causa. Com a videoconferência, o registro permanece arquivado, permitindo ao novo magistrado assistir às au­­diên­­cias gravadas anteriormente", afirma o diretor do presídio. Com isso, o juiz pode tirar as próprias conclusões, sem prévia avaliação. Para usar o procedimento, contudo, as prisões devem oferecer estrutura básica com linha telefônica dedicada e exclusiva para o preso falar com seu advogado e sala de audiên­­cia com equipamentos que permitam a transmissão de sons e imagens em tempo real.

Discussão jurídica

As discussões sobre a realização desse tipo de audiência ultrapassam os aspectos econômicos e de segurança pública. Há, também, divergentes interpretações jurídicas. Uma corrente de especialistas é contrária ao processo por considerar que a falta de "contato físico" entre magistrado e acusado interfere no processo de defesa. "Eu acho que a videoconferência só pode ser usada em raríssimas situações, quando forem devidamente comprovadas as questões ligadas à segurança das partes", opina o conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Paraná (OAB-PR) e doutor em Direito Penal Juliano Breda.

Conforme Breda, esse é o modelo adotado pela maior parte das nações. "Os países que adotam o sistema usam de forma excepcional. Não de maneira ampla e genérica, como está estabelecido no Código Penal", critica. Para Breda, os juízes devem privilegiar o contato com os presos, pois se trata de uma relação fundamental que pode facilitar a denúncia de abusos sofridos na penitenciária, por exemplo. "Como pode denunciar lesões ou maus-tratos se está sendo ouvido no próprio presídio?", questiona.

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Juiz Federal da 2.ª Vara Federal Criminal de Curitiba, Sergio Moro considera a argumentação inválida. "Quem já participou de uma videoconferência sabe que os cuidados devidos são tomados. É co­­mo se fosse uma audiência física, e a pessoa tem plena consciência do que está acontecendo. Trata-se apenas de uma evolução tecnológica", analisa. Moro ressalta, no en­­tanto, a garantia de que o detento tenha pleno contato com a au­­diên­­cia e forma reservada de dialogar com seu advogado. "Com essas garantias, não acredito que haja razão para qualquer reclamação", diz.

O promotor do Ministério Público e professor de Direito Penal da Universidade Tuiuti Armando Antonio Sobreiro Neto considera a videoconferência importante e adequada à atual realidade brasileira. "Por mais que se precise assegurar o processo mais correto possível, não podemos perder de vista que a sociedade precisa ter mecanismos de proteção, sem retirar o direito de defesa dos acusados", avalia. "O ideal sempre será a presença pessoal. Mas se for ne­­cessário garantir a proteção da sociedade ou se houver requisição do acusado, não vejo problema".

A adoção da videoconferência se transforma em um caminho sem volta para o Direito, na opinião do professor titular de Pro­­cesso Penal da Universidade Fede­­ral do Paraná (UFPR) Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. "Não podemos fugir, o futuro vai ser assim. Deve-se, porém, garantir as condições de defesa estabelecidas por lei", diz.

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Interatividade

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Com a audiência via videoconferência, há equilíbrio entre os benefícios à sociedade e o direito de defesa do detento?

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