SÃO PAULO - No Brasil, o maior receio dos pais quando seus filhos usam a internet é que eles sejam vítimas de um adulto "mal-intencionado". A maioria deles, porém, não impõe qualquer restrição aos filhos no uso da rede mundial de computadores. A informação faz parte de pesquisa inédita, feita pela ONG SaferNet, em parceria com o Ministério Público Federal.
Dos 1.326 internautas de todo o país que responderam a pergunta no site da SaferNet, 451 são pais e 875 crianças ou adolescentes de até 18 anos. A despeito da preocupação manifestada por 84% dos pais, 87% das crianças e jovens disseram que não têm qualquer restrição de navegação imposta pela família. Mais da metade (53%) disseram que já tiveram contato com conteúdos agressivos e que eles próprios consideram impróprios para sua idade e 10% afirmaram já ter sofrido algum tipo de chantagem online.
A maioria dos pais (63%) admitiu não adotar medidas restritivas para os filhos. E 40% informaram que seus filhos já foram vítimas de algum tipo de "incômodo" ou "constrangimento".
Para o psicólogo Rodrigo Nejm, diretor de Prevenção e Atendimento da SaferNet Brasil, os pais muitas vezes não sabem que regra adotar em relação ao uso da internet, e dizem desconhecer, inclusive, a melhor forma de utilizar a rede mundial.
"A gente percebeu que os pais não sabem que regras adotar. Eles mesmos dizem que têm dificuldades, não sabem como proceder. O que acontece, muitas vezes, é um constrangimento do pai diante do filho por não ter o conhecimento que esse filho tem de internet. Eles também têm dificuldade em considerar a internet um espaço público, como qualquer outro", ressalta Nejm.
Dentro das casas, a internet é tratada como algo "privado". Contrariando o que dizem os especialistas em prevenção de crimes pela internet, principalmente pedofilia, 64% das crianças e jovens disseram que acessam a internet em computador instalado em seu próprio quarto.
Os pais, por sua vez, não controlam nem o tempo que ficam diante do computador: 77% dos jovens disseram que não têm limite de tempo estabelecido pelos pais 55% reconhecem que ficam "tempo demais" e 44% contam que passam 4 horas por dia conectados quase o mesmo tempo que ficam em sala de aula.
A procuradora da República Adriana Scordamaglia, integrante do Grupo de Combate a Crimes Cibernéticos do Ministério Público Federal de São Paulo, diz que a culpa da falta de controle no acesso dos mais jovens à internet não é dos pais. "Se alguém tem culpa nisso são os provedores, e até o próprio Estado, que não tem políticas públicas voltadas para conscientização e prevenção no uso da Internet. Os pais não sabem muitas vezes o que fazer", diz.
A ONG informou ter entrado em contato com alguns provedores no intuito de usar os canais como divulgadores da pesquisa. Apenas o Google, a Telefônica e o MSN fizeram algum tipo de divulgação do questionário, segundo Thiago Tavares, presidente da SaferNet.
Outros dados da pesquisa devem servir de alerta para os responsáveis. Das crianças e adolescentes que responderam ao questionário, 38% disseram ter sido vítimas de "cyberbullying", ou seja, constrangimento ou chacota virtual.
Encontros com desconhecidos, marcados pela web, não são raros: 27% dos jovens admitiram ao menos uma vez ter encontrado, presencialmente, alguém que conheceram pela Internet. Outros 54 disseram que algum colega já fez isso.
O receio dos pais se dá principalmente por conta do aumento de crimes na rede. Segundo o MPF, 90% da criminalidade praticada na rede é feita por meio de sites de relacionamento como o Orkut, por exemplo. Mesmo assim, o que não falta nos sites de relacionamento são perfis com fotos de crianças e adolescentes, muitas vezes expostas em páginas dos próprios pais.
Segundo a pesquisa, 72% das crianças e jovens publicam suas fotos na rede e 51% divulgam o sobrenome além do nome verdadeiro, algo que a ONG e o MPF não recomendam. Até o nome da escola e do clube que freqüentam são divulgados por 21%.
Os sites de relacionamento são citados como os preferidos por 80% dos jovens e crianças, mas na hora de se cadastrar adultos não participam 66,71% contaram que se cadastraram sozinhos e sem supervisão.
De acordo com a ONG e o MPF, os criminosos geralmente entram em sites de relacionamento e, ao ganhar a confiança das crianças, migram para conversas virtuais em programas de chat instantâneos, como o Messenger, o mais usado na rede MSN.
"Há caso de adultos, no Messenger, por exemplo, que se passam por crianças para aliciar menores pela internet. Eles usam linguagem de criança, e muitas vezes trocam vídeos e fotos de outras crianças como se fossem eles. Eles têm um código acertado com as vítimas, inclusive para informá-los o momento em que os pais dessas crianças chegam no quarto, por exemplo", diz Thiago Tavares.
Os dados, considerados surpreendentes pelos responsáveis pela pesquisa, devem dar origem a uma cartilha de orientação.
A pesquisa mostrou que 42% dos pais e 40% das crianças e adolescentes já fizeram ao menos uma denúncia de crime na Internet. Os pais, de acordo com o levantamento, têm se mostrado interessados em obter mais informações sobre prevenção a crimes cibernéticos.
"Na pesquisa, 79% dos pais se mostraram dispostos a receber dicas de prevenção ou orientação. E 65% deles se prontificaram a ser multiplicadores de informação em relação a novas ações que devem ser adotadas para evitar esses crimes", conta o psicólogo Rodrigo Nejm.
A SaferNet, que oferece ao MPF denúncias relativas a crimes cibernéticos, colocou a pesquisa em seu site entre os dias 21 de julho e 30 de setembro. No total, o questionário fez 38 perguntas sobre os hábitos da família brasileira na internet.