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dependência química

Países se unem para flexibilizar o uso de drogas

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Quatro décadas após o início da Guerra às Drogas, política de tolerância zero contra o consumo e produção de entorpecentes liderada pelos Estados Unidos, a tática da repressão policial para frear o crescimento de usuários e da violência ligada ao tráfico parece ter se esgotado. É o que defende um movimento liderado por presidentes e entidades de nações latino-americanas, que assumiu a dianteira na discussão pela descriminalização das drogas.

México, Colômbia, Guatemala, Honduras, Uru­­­guai e Brasil propõem adoção de medidas alternativas para frear o consumo de drogas, que incluem liberar o uso pessoal de pequenas quantidades. O argumento são os altos índices de violência resultantes da guerra contra os narcotraficantes e o número crescente de consumidores.

A discussão foi levada em setembro à Assembleia Geral das Nações Unidas. Colômbia, México e Gua­­­temala defenderam a participação dos Estados Unidos e da Organização das Nações Unidas (ONU) na busca por novas medidas, "sem preconceitos e com enfoques novos e eficientes", como destacou o presidente mexicano, Felipe Calderón.

A América do Norte é o principal mercado consumidor, onde 11% da população do continente usou maconha em 2010 e 1,6% teve contato com a cocaína, segundo o Relatório Mundial sobre Drogas 2012, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).

Medidas drásticas

Alguns países estão decididos a levar a cabo novas medidas contra as drogas. No Brasil, a reforma do Código Penal prevê a descriminalização do consumo e outro pré-projeto de lei, em discussão no Senado, pretende trazer a experiência de Portugal, em que o usuá­rio flagrado com entorpecente é levado para uma comissão que avalia a necessidade de tratamento. Medidas semelhantes estão em análise na Argentina e no Chile.

A alternativa mais drástica é defendida pelo presidente do Uruguai, José Mujica. Projeto de lei quer fazer do governo o principal produtor e fornecedor de maconha.

Usuários poderão comprar 40 gramas da droga por mês. As taxas das vendas serão revertidas para um fundo de tratamento e reabilitação para dependentes químicos. A intenção é impedir o contato do usuário com o traficante. Iniciativa parecida já é adotada na Holanda.

Lei Antidrogas é falha, dizem especialistas

O debate sobre a descriminalização das drogas ganhou corpo e visibilidade no Brasil no ano passado, com o lançamento do documentário Quebrando o Tabu, dirigido por Fernando Grostein Andrade. A produção, que defende mudanças na legislação brasileira contra as drogas, traz entrevistas com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e os ex-presidentes americanos Bill Clinton e Jimmy Carter, além do escritor Paulo Coelho e do médico Drauzio Varella.

A proposta de livrar o usuá­rio de sanções penais no caso de ser flagrado com pouca quantidade é uma entre tantas mudanças polêmicas previstas na reforma do Código Penal. A medida encontra resistência, mas há consenso entre legisladores e autoridades da segurança pública de que a Lei Antidrogas, de 2006, é falha. Não prevê prisão para quem for flagrado com drogas para consumo, mas deixa de especificar como fazer essa distinção.

"Há duas frentes bem posicionadas no país: a que defende uma repressão policial ainda maior e outra que propõe o consumo como problema de saúde pública. Uma não precisa excluir a outra", diz o coordenador-geral do Núcleo de Pesquisa em Segurança Pública e Privada da Universidade Tuiuti do Paraná Algacir Mikalovski.

Tabu

Mesmo os defensores da descriminalização reconhecem que o assunto ainda está envolto em névoas, no Congresso e nas famílias. "Demoramos para entrar a sério na discussão. Virou um tema tabu, difícil de lidar. E aí tivemos um quadro de piora", avalia o secretário executivo da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia, Rubem César Fernandes.

Pelos dados mais atuais, o Brasil tem 1,4 milhão de dependentes em crack e cocaí­na e 1,3 milhão em maconha. Desde a criação da Lei Antidrogas, o número de detentos em presídios por tráfico cresceu 160% no país, saltando de 44 mil para 117 mil até o ano passado.

Ouvidos moucosEstados Unidos ignoram discussão entre latinos e mantêm tolerância zero

Apesar do apelo de presidentes latino-americanos na Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro, a discussão sobre o fracasso da Guerra às Drogas liderada pelos Estados Unidos teve pouca visibilidade na cúpula internacional.

Mesmo que alguns estados americanos, como a Califórnia, já defendam o tratamento em vez da prisão do usuário, a política de tolerância zero ainda é predominante nos Estados Unidos. Em 1980 menos de 50 mil pessoas foram presas no país pela venda ou posse de drogas, em 2007 o número chegou a 500 mil.

Elementos-chave

No lançamento do Relatório Mundial sobre Drogas, em junho, o diretor executivo do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc), Yury Fedotov, defendeu a "prevenção, tratamento, reabilitação e reintegração como elementos-chave da estratégia global para reduzir a demanda por drogas". O órgão, porém, não chega a citar a descriminalização do consumo como alternativa viável.

"Não há mudanças significativas nessa discussão (em nível global). Dentro dos EUA, a política ainda é de tolerância zero. Por enquanto, em relação à posição dos outros países, a mudança está sendo muito mais no discurso do que na prática", avalia a professora do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba Andréa Benetti Carvalho de Oliveira.

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