A dona de casa Maria Iliete Palivoda, 50 anos, não gosta nem de falar sobre o assunto. Chama a filha para comentar o assassinato da menina Giovana dos Reis Costa, 9 anos, crime que chocou Quatro Barras, na região metropolitana de Curitiba. "Até a cachorrada ficou braba", limita-se a dizer dona Maria, como é conhecida na vizinhança. A certa altura, apóia a cabeça na cerca de madeira e chora. Não foram só as lágrimas que restaram da lembrança da pequena Giovana, que até outro dia brincava nos quintais da redondeza. Também ficaram o medo, a insegurança, a sensação de impotência.
O choro de dona Maria é o retrato de uma rua de Quatro Barras, de uma comunidade que não é a mesma desde que Giovana foi morta, no dia 10 deste mês. A violência mudou repentinamente o cotidiano da Rua Virgínia Ferrarine Sbrissia, no bairro Jardim Patrícia. As crianças perguntam onde está Giovana, os pais trancam os filhos em casa, os estudantes voltam para casa em grupos. São poucos os que conseguem dormir tranqüilamente: o assunto tomou conta da rua, das casas, da escola, do trabalho, do dia-a-dia de todos.
"A gente desconfia até da sombra", conta Maria Tereza Palivoda, 21 anos, filha de Maria Iliete e vizinha da família de Giovana. "O assassino pode estar ao lado da gente." O filho de 5 anos não sai mais para brincar. "Na rua, só se eu for junto." Antes tranqüila, a casa teve os hábitos alterados. "Eu ia dormir e deixava as portas abertas. Agora, tenho vontade de colocar sete cadeados em cada janela. É que à noite o medo aumenta, fica tudo meio assombrado. Até o cachorro assusta." Na quinta-feira a polícia prendeu um suspeito: um rapaz de 18 anos que apresentou documentos falsos durante as investigações.
Trauma
O crime abalou a primeira moradora da rua, a aposentada Araci Jane Cordeiro Milliotti, 65 anos. De histórias violentas ela se recordava apenas de um caso de estupro, já perdido no tempo. De repente, tudo mudou. "Parece que tem alguma coisa ruim na nossa vida", resume. A saúde anda abalada. "Não saio à noite, nem no portão. A luz da rua me faz mal, parece que eu estou no IML. Deve ser coisa da minha cabeça."
A preocupação agora é com os três netos, de 2, 7 e 8 anos, que temem mesmo sem entender muito bem o que aconteceu. "Ninguém quer mais dormir nos quartos, vêm todos para cima de mim", conta a aposentada. "Eu não durmo, tenho medo que o assassino venha aqui." Além do medo, ficou a sensação de impotência, a frustração por ter procurado Giovana nos terrenos baldios e de não tê-la encontrado com vida. "Às vezes, eu me pergunto: por que corri tanto e não trouxe essa criança viva?", pergunta dona Araci.
O irmão de Giovana, Lucas, 11 anos, colou adesivos da polícia no muro de casa, como se buscasse proteção. Até a pequena Andressa, de um ano e meio, ficou abalada, conta a mãe de Giovana, Cristina Aparecida Costa, 31. "Dia desses, tive uma sensação estranha, um horror, um medo como nunca senti antes. De repente, minha filha de um ano e meio começou a gritar e a se debater. Está tudo meio esquisito." Cristina tem quatro filhos.
Mais violência
Há situações em que o medo da violência pode gerar ainda mais violência: é quando a comunidade resolve fazer justiça com as próprias mãos. Este é o temor de Albani Costa Cordeiro, tia de Giovana e mãe de dois filhos, de 14 e 18 anos. "O povo está com gana. Tenho medo que façam injustiça em cima da injustiça", diz ela. "O medo é tão grande que, na hora em pegarem (o assassino), nem imagino o que pode acontecer." Moradora do local desde 1999, Albani faz coro com os vizinhos: a vida não é mais a mesma. "Acabou a paz, está todo mundo em pânico. Não é só aqui, é em toda a região."
Para o sociólogo Pedro Bodê, coordenador do Grupo de Estudos da Violência da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o grau do medo está diretamente ligado à sensação de abandono. "Um crime com essas características, quando acontece em grupos que se sentem desprotegidos, tem um impacto muito mais sério", afirma Bodê. "Um crime bárbaro como esse parece uma profecia auto-cumprida da falta de proteção e da vulnerabilidade. São coisas que, quando acontecem juntas, têm um efeito devastador."
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