O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou ontem ao Congresso projeto de lei que pretende coibir a prática de castigos corporais e "tratamento cruel ou degradante" contra crianças e adolescentes. Críticos dizem que esse tipo de prática deveria ser combatida por meio da educação. A medida é polêmica porque para alguns seria uma interferência do Estado na vida familiar, mas especialistas defendem a ideia e afirmam que nenhum tipo de violência educa e pode, ao contrário, trazer sérias consequências ao adulto.
De acordo com a subsecretária de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Carmem Oliveira, o principal foco da legislação será a educação e conscientização dos pais. "É uma recomendação das Nações Unidas que os países adotem um marco legal para coibir castigos físicos. O texto diz que o poder público deve criar políticas de orientação e incentivo à resolução pacífica de conflitos, como campanhas e a inclusão da discussão nos currículos escolares." Hoje 25 países no mundo, a maior parte na Europa, têm medidas semelhantes.
Especialistas afirmam que as críticas sobre a interferência estatal são comuns porque ainda há a ideia de que a violência familiar é algo privado. Foi assim com a lei Maria da Penha, cujos críticos usavam o dito popular "em briga de marido e mulher não se mete a colher". "O projeto de lei vai ao encontro da Constituição Federal. Com o ECA a questão da infância passa a ser pública. É uma interferência positiva", garante Ariel de Castro Alves, integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
Os pais e cuidadores que praticarem castigos corporais estarão sujeitos a sanções já previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, como encaminhamento a tratamento psicológico. Para Alves, não ocorrerá a criminalização dos pais, já que a punição tem caráter educativo. A investigação das situações de violência ficará a cargo do poder judiciário, conselhos tutelares, ministério público, estados e municípios.
Aplicação
O coordenador do Pronto-Atendimento Pediátrico do Hospital Evangélico, Gilberto Pascolat, é favorável à lei, mas acredita que será difícil fazer com que ela saia do papel. "A agressão acontece dentro de casa e a criança não conta. Será preciso mais fiscalização." Ele atende casos de violência toda semana e faz um alerta: para cada caso que chega aos hospitais, 20 não são notificados. O maior temor dos especialistas é que a chamada "palmadinha pedagógica" frequentemente evolui para casos de agressões mais graves.
Diversas pesquisas científicas mostram que a violência física causa danos às crianças. É comum as pessoas dizerem "eu apanhei e não aconteceu nada comigo", mas a coordenadora do curso de Psicologia da Faculdade Pequeno Príncipe, Tatiana Forte, afirma que, de alguma maneira, o castigo se reflete no adulto. "De acordo com o que invisto no meu filho, terei um adulto mais ou menos saudável psiquicamente".
Beliscão
Durante a cerimônia que marcou os 20 anos de vigência do ECA, Lula comentou que "beliscão é uma coisa que dói pra cacete". Para Lula, apesar das boas intenções, o projeto antipalmada está sujeito a críticas. "Vai ter muita gente reacionária neste país, que vai dizer tão querendo impedir que a mãe eduque o filho. Ninguém quer proibir o pai de ser pai e a mãe de ser mãe. O que nós queremos é apenas dizer é possível fazer as coisas de forma diferenciada", disse. Se punição e chicotada resolvessem o problema, continuou, "a gente não teria tanta corrupção neste país, a gente não tinha tanto bandido travestido de santo".
Legislação
A lei altera o Estatuto da Criança e do Adolescente e traz as seguintes mudanças:
> Artigo 17-A: diz que a criança e o adolescente têm o direito de serem educados e cuidados pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar, sem o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação, ou qualquer outro pretexto.
> Artigo 70: diz que o poder público atuará de forma articulada na elaboração de políticas públicas e promoverá campanhas educativas e a inclusão do combate à violência nos currículos escolares.* * * * *
Interatividade
A palmada é um meio eficiente de educação? O Estado deve interferir nesse tipo de assunto?
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