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Nos dias seguintes à aprovação da lei que descriminalizou o aborto na Argentina, muita gente cobrou um posicionamento do Papa Francisco sobre o tema. Postagens em redes sociais, memes irônicos de WhatsApp e respostas desaforadas às publicações do Sumo Pontífice no Twitter questionavam por que ele, que é argentino, deixou de se manifestar sobre a legalização do aborto em seu país. Mas é verdade que ele silenciou sobre o tema?
O posicionamento do Papa sobre o assunto é amplamente difundido e foi reiterado diversas vezes: ele é contrário a qualquer lei que facilite a prática do aborto. E não se trata de uma oposição genérica e desvinculada do caso argentino. Nas semanas prévias à votação da lei pelo Senado, a repercussão de algumas declarações suas era citada por jornalistas argentinos como um dos fatores que poderia fazer a balança pender para a causa pró-vida.
Em novembro, por exemplo, em uma réplica enviada por e-mail à deputada pró-vida Victoria Morales Gorleri (PRO), uma das principais opositoras da lei aprovada, Francisco disse: “A pátria está orgulhosa de ter mulheres assim. E sobre o problema do aborto, ter presente que não é um assunto primariamente religioso, mas de ética humana, anterior a qualquer confissão religiosa. E faz bem fazer-se duas perguntas: É justo eliminar uma vida humana para resolver um problema? É justo contratar um assassino para resolver um problema?”
No começo de dezembro, o Papa Francisco enviou uma carta à Conferência Episcopal Argentina reiterando seu posicionamento. Ele disse que não se comunica muito com políticos e, nas raras vezes em que o faz, não costuma se envolver no dia a dia das lutas políticas, limitando-se a uma abordagem pastoral e cordial. Mas, referindo-se à carta enviada a Morales Gorleri, afirmou: “Uma última (carta) me indagava sobre o problema do aborto, e respondi da mesma forma como faço desde sempre”.
No mesmo documento, aparece uma resposta do próprio Papa Francisco à pergunta do título deste artigo: “Acho engraçado quando alguém diz: ‘Por que o Papa não envia à Argentina sua opinião sobre o aborto?’ Eu a estou enviando a todo o mundo (inclusive à Argentina) desde que sou Papa.”
Além disso, no dia da sessão do Senado argentino em que se votaria a legalização do aborto, o Papa fez uma postagem no Twitter que, para muitos, pareceu uma referência ao tema: “O Filho de Deus nasceu descartado para nos dizer que todo o descartado é filho de Deus. Veio ao mundo como vem ao mundo uma criança débil e frágil, para podermos acolher com ternura as nossas fraquezas”.
Opinião do Papa Francisco sobre o aborto é clara
Além de não ter se omitido em relação ao atual debate sobre a legalização do aborto na Argentina, o Papa Francisco já foi claro e contundente sobre a questão em diversas outras ocasiões. Uma busca pelo arquivo da Gazeta do Povo deixa isso claro.
Neste artigo, por exemplo, listam-se 20 discursos e documentos em que o Papa se manifesta contrário à prática do aborto. Em 2013, o Sumo Pontífice afirmou que “causa horror só o pensar que haja crianças que não poderão jamais ver a luz, vítimas do aborto”. Em 2014, na encíclica Laudato Si, disse que “não é compatível a defesa da natureza com a justificação do aborto”.
Em 2016, em conversa com jornalistas em um voo do México a Roma, foi contundente: “O aborto não é um mal menor. É um crime. É eliminar uma pessoa para salvar outra. É aquilo que faz a máfia. É um crime, é um mal absoluto. (…) O aborto não é um problema teológico: é um problema humano, é um problema médico. Mata-se uma pessoa para salvar outra (na melhor das hipóteses!) ou para nossa comodidade. É contra o Juramento de Hipócrates, que os médicos devem fazer. É mal em si mesmo, não um mal religioso – na raiz, não; é um mal humano. E, obviamente, uma vez que é um mal humano – como cada assassinato – é condenável.”
Em outubro de 2017, o Papa falou sobre o problema do aborto de pessoas com deficiência, apontando uma “tendência eugenista a eliminar os nascituros que apresentem alguma forma de imperfeição”.
Na encíclica Fratelli Tutti, Francisco considera o aborto uma das manifestações do que ele chama de “cultura do descarte”, que “julga o ser humano com base em sua utilidade”, e que tem como outra de suas facetas a eutanásia.
Diante de tantas evidências sobre o posicionamento do Papa Francisco em relação à legalização do aborto na Argentina – e à prática do aborto de forma geral –, qual seria o motivo da cobrança persistente por parte de seus detratores nas redes sociais? Na carta enviada à Conferência Episcopal Argentina, o próprio Papa sugere uma resposta:
“Em geral, não se sabe o que digo habitualmente; sabe-se o que dizem que eu digo, e isso graças aos meios de comunicação que, bem sabemos, respondem a interesses parciais, particulares ou partidários. Nisto creio que os católicos, desde o episcopado até os fiéis de uma paróquia, têm o direito de saber o que o Papa realmente diz… e não o que os meios de comunicação o fazem dizer. Aqui o fenômeno do disse-que-disse tem muita influência (por exemplo, ‘fulano me disse que cicrano disse tal coisa…’, e assim a cadeia continua). Com esse método de comunicação, em que cada um acrescenta ou retira algo, chega-se a resultados inverossímeis, assim como na história de Chapeuzinho Vermelho que acaba em uma mesa onde Chapeuzinho Vermelho e a avó comem um delicioso puchero feito da carne do Lobo Mau.”
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