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Absurdo

Meio milhão de pessoas são estupradas por ano no Brasil

Junto com o estudo sobre percepção social, o Ipea também divulgou, ontem, o resultado parcial de uma pesquisa sobre estupro. Chamada de "Estupro no Brasil: uma radiografia segundo dados da saúde", a pesquisa mostra que 88,5% das vítimas da violência são do sexo feminino e mais da metade tem menos de 13 anos de idade. O levantamento misturou dados próprios com informações do sistema de agravos de notificação do Ministério da Saúde.

Segundo Daniel Cerqueira, responsável pelo estudo, o objetivo foi buscar entre as pessoas que sofreram a violência as condicionantes que favorecem os ataques. Segundo a pesquisa, as duas principais são baixa escolaridade e vulnerabilidade a alguém bem próximo (família, amigo, vizinho etc). "Eu que sou pesquisador de violência, fiquei bastante estarrecido com a situação. Estimamos que a cada ano no Brasil 527 mil pessoas são estupradas e somente 10% dos casos são reportados à policia", afirma Cerqueira.

Ataques coletivos

A pesquisa olha também para uma realidade que, a princípio, não é encarada como comum no Brasil, mas está bem mais perto de se imagina: os estupros coletivos. Notícias de ataques assim na Índia chegam com bastante frequência via agências internacionais de notícias, mas, segundo o estudo do Ipea, cerca de 15% dos crimes de estupro no Brasil são cometidos por dois ou mais agressores.

Herança

Segundo Cerqueira, as causas para a persistência da cultura do estupro e da violência contra mulher no Brasil são inúmeras e, principalmente, culturais. "Existem várias pequenas causas, elas são fruto de uma ideologia patriarcal. Machismo é uma face/expressão dessa ideologia, responsável por demarcar a relação de poder entre os gêneros", explica.

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Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado ontem apresentou um retrato preocupante do comportamento brasileiro. Batizado de Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS), o levantamento revelou, entre outros dados, que 65% dos brasileiros concordam que mulheres que usam roupas curtas merecem ser atacadas. Do total de 3.810 entrevistados – dos quais 66,5% são mulheres –, ainda, 63% disseram concordar com a ideia de que "casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre membros da família". "Temos um problema social de enorme importância, uma doença coletiva. O quadro que temos no Brasil hoje é de uma sociedade pré-civilizatória", afirmou o diretor de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Ipea e um dos autores do levantamento, Daniel Cerqueira.

INFOGRÁFICO: Veja os resultados da pesquisa do Ipea sobre relações humanas

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Culpabilização

Para ele, um número significativo de entrevistados parece considerar a violência contra a mulher uma forma de correção. A vítima teria responsabilidade, seja por usar roupas provocantes, seja por não se comportarem "adequadamente".

Para a presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero (Cevige) da OAB Paraná, Sandra Lia Leda Bazzo Barwinski, a sociedade evoluiu em vários aspectos, mas ainda resiste quando o tema é igualdade de direitos das mulheres. "É muito assustador. Continuamos a manter conceitos que eram de gerações passadas, do século 18", comenta.

Estudo

O levantamento sobre a percepção social tem como ponto de partida o grande número de pessoas que diz concordar com a frase: se mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros. O trabalho indica que 58,5% das pessoas concordam com esse pensamento. A resposta a essa pergunta apresenta variações significativas de acordo com algumas características. Moradores de metrópoles das regiões mais ricas do país (Sul e Sudeste), ter escolaridade mais alta e ser mais jovem aumentam a probabilidade de valores mais igualitários e de intolerância à violência contra mulheres. Os autores da pesquisa avaliam, porém, que tais características têm peso menos importante que a adesão a certos valores, como acreditar que o homem deve ser cabeça do lar, por exemplo.

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Foco no respeito às diferenças é fundamental, diz especialista

Para a presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero (Cevige) da OAB Paraná, Sandra Lia Leda Bazzo Barwinski, é preciso que as escolas desenvolvam um trabalho focado com as novas gerações que foque nas diferenças. "Há ainda muito ranço [de gerações passadas], mas a parte positiva é que a tendência é de que isso ocorra menos no futuro, com os jovens de hoje. É uma tendência [apontada pela própria pesquisa]", disse. A advogada ressalta que o problema começa na educação inicial das crianças. "Fala-se muito em erotização precoce das meninas, mas ninguém fala sobre virilização precoce dos meninos", chama atenção a especialista.

Sandra lembra que é preciso também fazer uma crítica à mídia, de uma forma geral, sobre como esta perpetua uma cultura equivocada que contribui para a violência. O próprio pesquisador do Ipea Daniel Cerqueira ressalta que o machismo que coloca a mulher como objeto de desejo e propriedade e permeia cultura, músicas, meios de comunicação. "Essa semana o metrô de SP, no horário de pico, veiculou a propaganda para xavecar a mulher. Reflexo da cultura que a gente tem", afirma.

De acordo com a procuradora de Justiça e coordenadora do Núcleo de Atendimento às Vítimas de Estupro (Naves) do MP, Rosângela Gaspari, o resultado da pesquisa mostra que as conquistas feministas não estão consolidadas. "É ainda uma história em construção, mas é fundamental ressaltar que não há justificativa qualquer para que se cometa um ato de violência contra a mulher", ressalta.

Ainda na avaliação de Sandra, o feminismo ainda precisa trabalhar e debater o tema na sociedade para que cada vez mais diminua esse histórico violento. Sobretudo, segundo ela, é preciso consolidar o que é de direito. "Queremos ser apenas tratadas com igualdade de direitos", diz Sandra.

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