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Para além da política, um obcecado pelo traço

Kleber Ferraz Monteiro: mil páginas dedicadas à releitura da obra de Niemeyer | Jonathan Campos/ Gazeta do Povo
Kleber Ferraz Monteiro: mil páginas dedicadas à releitura da obra de Niemeyer (Foto: Jonathan Campos/ Gazeta do Povo)
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Tudo o que você sabe sobre Oscar Niemeyer está errado. É o que se pode concluir da tese de doutorado do arquiteto e urbanista maringaense Kleber Ferraz Monteiro, 56 anos, defendida em 1989 na Universidade Politécnica de Madri, na Espanha.

Nas mil páginas da pesquisa A forma na arquitetura de Oscar Niemeyer, Monteiro – que é professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e da Universidade Estadual de Londrina (UEL) –, se aventurou por um terreno pantanoso, o de mostrar o mais famoso arquiteto brasileiro para além das bandeiras políticas pelas quais sempre é identificado.

Parecia impossível dissociar Niemeyer de suas ligações com o Partido Comunista e de seu ideário de esquerda. Mas o paranaense arriscou, fazendo uma opção pela estética niemeyeriana. Foi quando a cortina se abriu. Comunista ou esteta? Eis a questão.

Erudito popular

Para respondê-la, Kleber se debruçou sobre nada menos do que quase 60 anos de produção do arquiteto – de 1936, ano da conclusão do edifício do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro, a 1989, quando Niemeyer entregou o Memorial da América Latina, em São Paulo.

Encontrou mais do que um comunista de carteirinha, encontrou um erudito popular, ocupado das artes, dando continuidade às preocupações da elite intelectual na qual se originou, no Rio de Janeiro. "Pairam muitos estereótipos sobre Niemeyer. A discussão sobre arte e política polarizou a cultura no século 20. Nesse sentido, Niemeyer ainda é um homem do século 19", diz o pesquisador, referindo-se à renhida ligação do arquiteto com as questões urbanas que determinaram a modernidade, para além das ideologias. Do contrário, não teria erguido tantas igrejas, mesmo sendo um ateu.

São muitas as evidências de que o artista Niemeyer se sobrepõe ao arquiteto ocupado de uma obra de cunho social. A primeira, lembrada por Kleber, é que seu pesquisado cursou a Escola de Belas Artes, o que foi determinante em sua formação humanista. Não causa espanto que sua obra tenha sido acusada de "pouco funcional" e "nada habitável". Pouco lhe importava a praticidade, pois estava ocupado da forma. Mas como as pessoas que o cercavam defendiam arte como política, ele também passou a ser tomado como tal. "Nunca foi política, mesmo sendo ele um comunista militante. Ele é um artista da década de 1930, tal como Borges, ocupado de um discurso universalista. O comunismo dele é romântico, intelectual", frisa Monteiro.

100% artístico

De posse de rascunhos e projetos, Monteiro confirmou que o processo criativo de Niemeyer é 100% artístico, o que faz dele um moderno ocupado em superar modelos estabelecidos e inventar novas soluções. Daí seu interesse pelo folclore e pelo popular, áreas que oferecem uma saída criativa para a forte tradição erudita. Caso o argumento não convença, basta recordar a importância do desenho no universo de Niemeyer, tal e qual o foi para outros artistas da primeira metade do século passado.

Ninguém consegue pensar a arte de Picasso, por exemplo, sem considerar o desenho. A mesma verdade vale para Niemeyer, um desenhista mais do que contumaz, cercado de caixas e caixas de rascunhos, às quais costumava oferecer a quem se interessava pelo que produz – de seu biógrafo Marcos e Sá Corrêa ao próprio Kleber.

"O Niemeyer é um obcecado pelo traço. É ali, na experimentação, que ele consegue superar a tradição da arquitetura e da arte", ilustra. O tira-teima pode ser tirado no espaço dedicado ao arquiteto no Museu Oscar Niemeyer. Mais do que maquetes, o que salta aos olhos são os esboços.

Não raro, ao receber um desses desenhos, os colaboradores de Niemeyer – bambas como o engenheiro Joaquim Cardoso e José Carlos Süssekind – costumam se perguntar "se vai ficar em pé", tamanho o desafio às leis da física e à resistência dos materiais, denunciando a influência das vanguardas, em especial do surrealismo de Dalí e de Miró, que lhe emprestaram o gosto pelo absurdo; e do dadaísmo, fonte de seu gestualismo. Pois ficam. "A invenção é o que está mais profundo na sua consciência", reforça Kleber.

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