O italiano Adriano Bonaldi, 89 anos, poderia ser um daqueles personagens das novelas de Benedito Ruy Barbosa. Em 1951, depois de sofrer as agruras da Segunda Gran­de Guerra, despediu-se da mãe, em Verona, e veio tentar a sorte no Brasil. Por conta das coisas da vida, acabou em Curitiba, numa pensão da Rua do Rosário com a Saldanha Marinho. Ali por perto, conheceu o conterrâneo Pedro Falce – famoso funerário da época.

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O resto é puro folhetim – Bo­­naldi se apaixonou por Rosa Maria, uma das netas do "homem dos enterros" e com ela se casou. Em menos de uma década, quando o conto de fadas já tinha virado rotina, o forasteiro teve sua grande surpresa. Desenhista, projetista, músico, pintor, poeta – um herdeiro nato de Da Vinci –, o novo parente serviu como uma luva para resolver um problema dos Falce: administrar os sobrados que a família foi acumulando na Saldanha. Virou um compromisso de sangue, já repassado para um de seus filhos.

Adriano nunca amarelou. "Há 40 anos cuido desse lugar", diz, diante dos três conjuntos de sobrados da velha rua curitibana, todos unidades de interesse de preservação – UIPs. Cada endereço está documentado, como um álbum de família. É bom de ver. O primeiro foi restaurado pelo próprio herdeiro, com a fábula de R$ 250 mil. O segundo permanece em pé graças à transferência de potencial construtivo. O terceiro – perto de onde ficava a pensão em que tudo co­­meçou – está na fase balança-mas-não-cai. O cálculo do potencial é de 1.250 m2, mas não surge interessado em comprá-lo. O casarão erguido em 1921, em plena Belle Époque curitibana, agoniza.

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Há pouco mais de uma década, Adriano Bonaldi vestiu sua boina e foi à Câmara dos Vereadores fa­­zer sugestões. Propôs para Curitiba uma política de patrimônio semelhante à de muitas cidades européias. A prefeitura poderia restaurar e cobrar depois. "Não entendo como os governantes não preveem uma verba para administrar os pré­­dios que ‘tombou’?", espanta-se.

Bonaldi não está sozinho nessa hora do espanto "Perdi 20% do desconto do IPTU porque pus grade no muro da casa. Perguntei à arquiteta do Ippuc o que faria se a mãe de­­la tivesse 82 anos e morasse num lugar tão desprotegido", protesta o empresário Nelson da Costa Rocha, 53 anos, proprietário de um imóvel modernista no Juvevê.

É um estudo de caso. A casa é assinada pelo engenheiro Giáco­mo Clausi, que flertava com a ar­­quitetura e elaborou, ali, um exem­­plar cubista de encher os olhos. Tem 1.078 metros quadrados e pertenceu a Dietrich Claus­bruch. Em 1963, passou para New­­ton Gomes Rocha, marido de Júlia da Costa, herdeira de ninguém menos do que Júlia Wanderley.

Foi o que bastou para que tempos em tempos alguém batesse palmas no muro baixo da Rua Bom Jesus – ora para ver as diabruras do polêmico Clausi, ora para ver a biblioteca e imagens da professora Júlia Wanderley. Hoje, os Rocha se sentem duplamente roubados. Uns visitantes carregaram fotos da mestra ilustre. Outros declararam a moradia UIP sem sequer avisar.

"Essa lei não faz tombamento. A prefeitura diz que quer preservar e nós é que temos de pagar a conta", protesta Nelson. Ele aponta o muro rachado e o solo afundado, provocados por um prédio ao lado. Ser UIP não mudou em nada. Ninguém foi cobrado, a não ser os Rocha. Eles amam a casa em que vivem. Mas se a regra do jogo é essa, o jogo para essa família acabou. "Entramos na Justiça. Não queremos ser unidade de interesse de preservação".

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