Em meio à crise econômica e política, o governo federal deve tentar uma tacada certeira para reverter o quadro negativo da segurança pública nos próximos meses. O Ministério da Justiça confirmou que um planejamento para implantar um pacto nacional contra homicídios está em estágio avançado. O pacto pretende envolver todas as capitais, os 54 municípios mais violentos do país, estados e a sociedade. Em 2014, último levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança, quase 60 mil assassinatos foram registrados no país.
O ministério, no entanto, não explicou como será a implantação do programa e não informou se haverá aporte de recursos ou ações específicas, nem qual será o papel de cada ente no projeto. Apenas afirmou que já fez um diagnóstico nacional sobre mortes violentas intencionais e que agora prepara uma análise regionalizada sobre o tema. De forma genérica, adiantou que parte do programa será feita com base em articulação e integração entre os entes federados para reforçar investigação e prevenção de homicídios.
Secretário critica planos anteriores
“O seu planejamento foi discutido com gestores e representantes de categorias profissionais ligadas à segurança pública, que também passaram suas contribuições ao plano”, explicou a pasta em nota enviada por e-mail.
Em entrevista recente à BBC, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que haverá um “comando integrado” para monitorar a implantação do pacto em 81 municípios. Ele disse ainda, ao site, que quer envolver o Judiciário e o Ministério Público para que priorizem ações que envolvam crimes violentos.
Projeção e análise
Ex-secretário nacional da Segurança Pública, o coronel da reserva paulista José Vicente Silva diz que o pacto precisa envolver uma série de mudanças, criando uma política nacional adequada a segurança pública do Brasil. “Há muitas questões mal resolvidas, como armamento, aumentar o rigor de penas para porte de arma ilegal, diminuição da maioridade penal.” Para ele, no entanto, não há questão emergencial que possa ser criada. Toda ação envolverá projetos de médio e longo prazo.
Ocupação de espaços e cultura da paz contra homicídios
Em relação ao pacto, o coronel é pessimista. “Será mais uma vez um monte de ideias jogadas, mas o país precisaria, para já, de capacitação das polícias militares em planejamento, compartilhamento de informações entre polícias, com bancos de dados estruturados e um bom programa para mudar a realidade da investigação.” Para ele, o maior empecilho será o recurso para envolver municípios. “As cidades estão quebradas e não há dinheiro para nada no país”, alerta.
Tentativas
Outras iniciativas do governo na área de segurança pública:
Fronteiras
O Plano Estratégico de Fronteiras foi lançado em 2011 e pretendia integrar as polícias e outros órgãos federais, estaduais e municipais e outros países para proteger as fronteiras brasileiras, que alcançam 16 mil km.
Crack
O programa “Crack, é possível vencer” é desenvolvido pelo Ministério da Justiça, em parceria com as pastas da Saúde, Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Educação e Secretaria de Direitos Humanos.
Brasil mais seguro
O programa, lançado em 2012, pretende fortalecer o sistema de segurança pública, melhorando a estrutura das polícias; articular ações com o sistema de justiça criminal para aumentar a velocidade do Judiciário; e apoiar o sistema penitenciário.
Ex-secretário critica programas anteriores
O ex-secretário nacional da Segurança Pública José Vicente Silva criticou os programas na área de segurança do governo nos últimos anos. Na avaliação dele, uma das principais ações do governo Lula, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), foi deixado de lado quando Dilma Rousseff assumiu o primeiro mandato. “O Pronasci gastou muito e não teve resultado”, diz. No site do Ministério da Justiça, a União anunciava que investiria quase R$ 7 bilhões até 2012. A assessoria do Ministério da Justiça foi questionada sobre os resultados e disse que o Pronasci atingiu todos os seus objetivos, mas não pôde dizer qual o investimento, pois não tinha a informação atualizada.
Sobre os programas atuais, “Brasil Mais Seguro”, “Crack, é possível vencer” e “Plano Nacional de Fronteiras”, a pasta informou que eles seguem com seus trabalhos mesmo com o lançamento do pacto contra homicídios. Os projetos também foram criticados por Silva. “A ação contra o crack são ônibus entregues a municípios apenas, o projeto para melhorar segurança na fronteira não tem funcionado, e o Brasil Mais Seguro ninguém vê nada. O problema é que, emergencialmente, não há nada para fazer. É preciso pensar a médio e longo prazo.”
Ocupação do espaço urbano e cultura da paz contra homicídios
O sociólogo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Cézar Bueno defende que um pacto desta magnitude precisa envolver questões que restrinjam ainda mais o acesso a armas no Brasil. Dentro desta perspectiva, na avaliação dele, é preciso fortalecer o controle nas fronteiras, evitando a entrada de armas ilegais no país.
“É impensável um projeto que não envolva essas questões”, afirma. Apesar disso, ele defende a necessidade de uma ampla e profunda campanha que trabalhe a mudança da cultura da violência, permitindo espaço para resolução de conflitos e ocupação dos espaços urbanos. Na avaliação dele, essas ações necessitam principalmente de ações dos municípios e da sociedade civil. “É preciso educar o país pela perspectiva da cultura da tolerância. Vivemos hoje um acirramento grande da intolerância. É preciso mudar essa mentalidade. Além disso, é fundamental resgatarmos um conceito de cidades mais republicanas onde as pessoas convivam entre si, ocupando espaço nas cidades que sempre foi delas [como praças, parques]”, explica. Para ele, a violência está intimamente ligada à deterioração de políticas públicas. “Por isso, não pode ser apenas um pacto no papel”.
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