Uma emenda incluída no texto final da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32, que trata da reforma administrativa, propõe reconhecer a Guarda Municipal como órgão de segurança pública nos termos da Constituição Federal. Atualmente, apesar de as guardas estarem presentes em quase 1,2 mil cidades do país, não são reconhecidas constitucionalmente como um órgão de segurança pública.
>> Faça parte do canal de Vida e Cidadania no Telegram
Na prática, há consequências para os municípios que, diante das indefinições sobre o atuação das guardas civis municipais, ocasionalmente deixam de investir em efetivos locais para atuar em suas dependências; e para os agentes, que não têm direito à aposentadoria nos mesmos moldes que outras forças de segurança.
A emenda, proposta pelo deputado Capitão Wagner (Pros-CE) em junho e aprovada em 23 de setembro, inclui as guardas municipais no artigo 144º da Constituição Federal, junto com os demais órgãos de segurança pública instituídos no país. A medida também esclarece, no mesmo artigo, que as guardas são instituições de natureza policial. Assim, com a eventual aprovação da mudança, não restariam dúvidas sobre o chamado “poder de polícia” dessas instituições.
“Essa alteração daria tranquilidade jurídica e constitucional para os gestores públicos municipais. Com isso, o município - dentro da sua condição financeira e de suas peculiaridades - terá total condição para implantar seu órgão municipal de segurança pública”, afirma Reinaldo Monteiro, presidente da Associação dos Guardas Municipais do Brasil (AGM Brasil).
Guardas municipais no Brasil
As guardas municipais estão presentes nas determinações sobre segurança pública da Constituição Federal. No parágrafo 8º do artigo 144º, é citado que “Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”.
A lei regulamentadora (Lei 13.022), que foi sancionada somente em 2014, é conhecida como o Estatuto Geral das Guardas Municipais. Ela define as competências das instituições, fixa limites à sua atuação, traça diretrizes para capacitações e traz regras para o controle dos efetivos.
Nela estão previstas, por exemplo, as funções de patrulhamento preventivo; coibição de crimes; encaminhamento às delegacias de polícia em casos de flagrante delito; e a proteção à população. Segundo a lei, os agentes devem atuar armados e uniformizados, e as instituições devem possuir controle interno e externo – exercido respectivamente por uma corregedoria e uma ouvidoria.
Presentes em 24 capitais do país, as guardas civis municipais somam, de acordo com a Federação Nacional de Sindicatos dos Guardas Municipais (Fenaguardas), 120 mil agentes no total.
De acordo com o presidente da AGM Brasil, a partir da regulamentação das guardas, em 2014, várias prefeituras passaram a ter mais segurança ao investir no aumento de efetivo e no treinamento das guardas municipais, bem como na compra de armamentos e viaturas. Isso também fez com que mais gestores públicos criassem as guardas em suas cidades.
Dados do IBGE mostram que, atualmente, 1.188 municípios contam com essas corporações. Mesmo assim, segundo Monteiro, a grande maioria das cidades opta por não mantê-las diante do não reconhecimento das corporações como órgão de segurança pública – atualmente apenas 21,3% dos municípios contam com essas instituições. Segundo ele, esse “limbo” jurídico faz com que prefeitos aportem recursos do município nas polícias militares, que são corporações estaduais, perdendo a gerência da segurança pública local.
“Ainda há grandes dúvidas por parte dos gestores públicos. O tema – se a guarda municipal pode ou não fazer segurança pública, se é ou não polícia municipal – ainda não está pacificado”, aponta. “E aí vem a grande luta nossa, que é fazer a sociedade entender que as guardas não são um órgão diferente da polícia estadual, apenas o âmbito dela que é municipal”.
“Polícias municipais”
Segundo o deputado Capitão Wagner, a PEC traz o amparo constitucional para que as guardas se tornem, de fato, polícias municipais, atuando de forma preventiva na segurança de suas cidades, ao mesmo tempo em que não obriga os municípios a criarem as corporações. “O que estamos discutindo é que o município fique com a segurança básica por meio desse trabalho preventivo, de aproximação, o que permite que a polícia militar atue no combate à criminalidade de forma mais repressiva”, diz.
Para exemplificar, o parlamentar cita o Atlas da Violência 2019, estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que analisou as taxas de homicídio nas 310 cidades brasileiras com mais de cem mil habitantes. “Das 20 cidades menos violentas do Brasil, 14 estão em São Paulo. Em todas elas existem guardas municipais constituídas. Esses municípios têm convênios com os governos estadual e federal, que facilitam a qualificação desses profissionais e a aquisição de equipamentos e viaturas”, afirma. “São instituições que, a partir dessa estrutura e qualificação, contribuem no combate à criminalidade”.
Para Monteiro, a mudança na legislação faria com que mais municípios investissem na estruturação dos seus efetivos para combater os crimes de menor potencial ofensivo – a exemplo de violência doméstica, pequenos furtos e pequenos roubos, perturbação do sossego, proteção à criança e ao idoso –, que são atendidas, grande partes das vezes, pelas polícias estaduais.
“Se esses municípios tiverem segurança para fazer exatamente o que já está previsto na lei, haverá mais policiais estaduais liberados para atuar nos crimes de maior potencial ofensivo, que hoje as policias dos estados não conseguem atuar adequadamente porque estão empenhadas em fazer o que é básico”.
Ricardo Ferreira Gennari, especialista em Segurança Pública, discorda do modelo proposto por Monteiro e Wagner. “Isso é inviável. Como se pode dividir o atendimento aos crimes? O fundamento para o atendimento por parte da polícia tem que ser muito mais profundo, por necessidade de cada região”, diz.
Gennari aponta que, em caso do fortalecimento das guardas municipais em decorrência da alteração constitucional, será preciso repensar as estruturas físicas, materiais e técnicas das corporações municipais. “O policial militar é preparado para uma situação, que é o enfrentamento. A vida dele está sob risco maior do que a dos guardas. Se a PEC passar, precisará reestruturar o processo de formação”, aponta.
Aposentadoria especial e porte funcional
A inserção dos guardas municipais como órgão de segurança pública também abriria possibilidade para que a aposentadoria da categoria passasse a ser no mesmo modelo das demais instituições, como polícia federal, polícias civis e militares. Atualmente todas essas categorias têm, de acordo com o art. 40º da Constituição Federal, aposentadoria em condições especiais por exercerem atividade de risco.
Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, apesar de os guardas civis atuarem na segurança de seus municípios, não têm direito constitucional à aposentadoria especial por exercício de atividade de risco pelo fato de não estarem listados como órgão de segurança pública.
Outro ponto que ainda gera dúvidas é o porte funcional de armas para os guardas civis. Essa modalidade, destinada à defesa pessoal, é assegurada a servidores em função do cargo ou função que exercem. Apesar de o STF ter autorizado, em fevereiro deste ano, o porte de arma para todos os agentes de guardas municipais, as novas normas ainda são novidade, inclusive, para os próprios integrantes das corporações. Isso porque anteriormente à decisão do Supremo, apenas agentes de municípios com grandes populações tinham esse direito.
“Com a aprovação da emenda, isso também muda, porque a maioria das pessoas, inclusive do meio jurídico, ainda não conhecem essa mudança na lei e entendem que não pode [ter o porte], aí gera uma celeuma jurídica. É preciso pacificar também essa questão do porte de arma”, diz Monteiro.
Outros projetos de lei em Brasília
Duas outras propostas de emenda constitucional sobre o tema tramitam no Congresso Nacional. A primeira é a PEC 534, de 2002, que esclarece, no artigo 144º, a função dos agentes quanto à proteção à população, e não apenas dos bens, serviços e instalações do município. A proposta, que também cria a guarda nacional, está parada desde 2007.
A outra medida em tramitação é a PEC 275, de 2016, que inclui as guardas municipais como órgãos de segurança e já equipara a aposentadoria dos agentes à das forças policiais. Essa proposta aguarda a criação de uma comissão temporária por parte da presidência da Câmara desde 2017.
Caso a emenda proposta pelo deputado Capitão Wagner no âmbito da reforma administrativa não prospere, o parlamentar afirma que apresentará nova PEC com o mesmo conteúdo apresentado, para que haja uma definição sobre o tema no Congresso.
Soraya Thronicke quer regulamentação do cigarro eletrônico; Girão e Malta criticam
Relator defende reforma do Código Civil em temas de família e propriedade
Dia das Mães foi criado em homenagem a mulher que lutou contra a mortalidade infantil; conheça a origem
Rotina de mães que permanecem em casa com seus filhos é igualmente desafiadora
Deixe sua opinião