Marie-Pierre Poirier, representante do Unicef no Brasil| Foto: Marcelo Casal/ABr

A Convenção dos Direitos da Criança completou 20 anos na última sexta-feira. O Brasil foi um dos primeiros países a ratificar o documento e trazer essas ideias para sua legislação nacional, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente, considerado uma das leis mais avançadas do mundo. Desde então, o país evoluiu muito, mas, quando se fala em direitos humanos, eles não podem significar direitos da maioria, mas de todos. Por isso, enquanto cada menino e menina não tiver sua dignidade garantida, será preciso investir mais. Esta é a opinião da representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no país, Marie-Pierre Poirier. De nacionalidade francesa, ela está aqui há cinco anos e já atuou em Moçambique e na Namíbia, além de auxiliar na construção do texto da Convenção.

CARREGANDO :)

O Estatuto da Criança e do Adolescente está com 19 anos. Temos o que comemorar neste período?

Temos de notar os avanços, não só do quadro legal. Tivemos progressos significativos em muitas áreas. O desafio é utilizar este conhecimento, esse saber fazer, para atacar fortemente a desigualdade. Algumas partes do país têm avançado muito mais. Os progressos da Convenção foram mais significativos na primeira infância e menos na adolescência. Os avanços no combate à mortalidade infantil são espetaculares, por exemplo. O Brasil é um dos países que mais avançaram neste sentido. O que é positivo é que sabemos fazer, já tivemos resultados positivos. Algumas crianças já têm melhores condições de vida. A tendência é animadora. Agora nos resta questionar como vamos fazer para acelerar esse processo.

Publicidade

Por que, passados 20 anos da Convenção dos Direitos da Criança, ainda há muitos direitos fundamentais violados? O que ainda precisa avançar?

Há mais desigualdade em determinadas regiões, como o semi-árido e a Amazônia. O mesmo ocorre nas periferias, onde há violações mais agudas, em relação aos grandes centros urbanos. Outro quesito é a cor da pele e a idade. Uma parte dos ganhos conseguidos com a redução da mortalidade infantil está sendo perdida na adolescência em função das mortes violentas que atingem esta faixa etária. A adolescência apresenta uma vulnerabilidade muito grande neste ponto. O que vamos fazer para tirar da sombra esses milhares de crianças que ficam esquecidos e invisíveis? As estatísticas nacionais apontam uma situação que está melhorando, e que o Brasil vai conseguir cumprir os Objeti­vos do Milênio. Mas direito hu­­mano quer dizer direito de cada. Não de muitas, não da maioria, nem de 98%. Tem de chegar à úl­­tima criança. Esse é o desafio para um país que quer entrar com uma proposta forte e diferenciada no cenário global. É preciso fazer dos direitos da criança uma realidade não para muitos, mas para cada menino e menina brasileiros.

Estudos do Unicef mostraram recentemente que a adolescência é a faixa etária que mais sofre com mortes violentas. O que fazer para mudar este quadro?

Temos de ter um grande debate nacional para desconstruir a ideia de que o adolescente é só um adulto em formação ou uma criança grande. Ele é um ser humano com direitos próprios. Ele também não é somente vítima de violência ou perpetrador. Temos de ter a visão de que o adolescente é um sujeito de direitos. E para se construir como um adulto que lutará por uma sociedade mais justa, ele precisa de oportunidade. Estamos dialogando com vários parceiros, desde o Estado até a sociedade civil, para fazer da educação uma ferramenta de transformação. O ensino médio da escola pública deve se tornar uma realidade que corresponda à necessidade dos jovens e que dialogue com ele. Eles precisam participar da construção dessas propostas.

Como fazer isso?

Publicidade

É necessário oportunidade, educação integral contextualizada de qualidade e mais diálogo. Não só sobre conteúdo, mas sobre forma. Os jovens têm muitas competências, estão ligados às informações e ao futuro. Não vivem na idade das cavernas. Têm energia e criatividade e precisam participar dessa construção. Precisamos sair da lógica de só preparar o adolescente para o mundo do trabalho ou conti­nuar com modelos educacionais que cabem somente para crianças de 8 anos. Vamos construir uma alternativa para que ele possa ser um adulto responsável e comprometido com seu próprio futuro e com da sociedade.