Atrasos em repasses de verbas, greve de funcionários e interrupção no atendimento de parte dos pacientes são alguns dos problemas recentes enfrentados pelo Hospital da Polícia Militar (HPM), em Curitiba. Situação que acaba prejudicando o atendimento aos 40 mil militares e 130 mil servidores públicos civis que utilizam o hospital.
Durante a última semana, uma paralisação de empregados de uma empresa terceirizada que presta serviços de limpeza ao HPM causou transtornos a pacientes e ao corpo clínico do hospital. A greve terminou na última quinta-feira (21), mas expôs fragilidades da gestão da unidade. Segundo relatos de testemunhas ouvidas pela Gazeta do Povo, na falta de funcionários, soldados da PM e familiares dos pacientes chegaram a improvisar os serviços de limpeza. Para a Associação de Defesa dos Direitos dos Policiais Militares (Amai), a paralisação foi apenas "a ponta de um iceberg".
Na última semana, 66 servidores da PH Gestão de Pessoas, empresa terceirizada responsável por manter a limpeza e a recepção do HPM, cruzaram os braços por atraso nos pagamentos do hospital à empresa, suspendendo os serviços. "Simplesmente fomos comunicados de que teríamos que limpar os quartos. Minha cunhada trouxe produtos de limpeza e ela mesma fazia o serviço. Até roupa de cama a gente tinha que trazer de casa. Só vendo para acreditar", disse o economista Luiz Guilherme Moreira, cuja sogra, de 82 anos, está internada no HPM há mais de 20 dias.
Por causa da falta de pessoal na limpeza, o atendimento chegou a ser restringido no hospital. Um cartaz foi afixado à entrada, informando que somente vítimas de AVC, infarto ou traumas seriam atendidas. Outros pacientes eram encaminhados a outras unidades. O número de leitos na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) foi reduzido de dez para três. Familiares relatam falta de material cirúrgico e de medicamentos. "Falta até gaze. Ninguém dava satisfação. Virou um caos", disse Elizabeth Ferreira., que também tem parente internado no HPM.
A Polícia Militar reconheceu que houve um atraso no pagamento da empresa que presta serviços de higienização, mas informou que a situação havia sido normalizada ainda na quinta-feira (21). "Essa situação aconteceu e já foi resolvida. Não tem como adivinhar quando o cara [funcionário] não vem. Mas isso foi uma questão pontual", explicou o diretor administrativo da unidade, Major Célio Luiz Banaszeski.
Gestão
Para o presidente da Amai, coronel Elizeo Furquim, a paralisação é reflexo da fragilidade da gestão do HPM. A unidade é custeada pelo Fundo de Atendimento à Saúde dos Policiais Militares do Paraná (FASPM), reforçado pelo repasse de verbas da Secretaria de Estado de Administração e Previdência (Seap). Segundo a Amai, o hospital vive às voltas com a falta de dinheiro, que impacta no atendimento prestado. Além disso, a entidade aponta que não há transparência ou prestação de contas por parte do hospital.
"A gestão do HPM é mantida em segredo. Há uma incerteza de recursos. O hospital não pode funcionar nesta fragilidade. A maneira como está sendo gerido está provocando insatisfação tanto de quem trabalha na unidade quanto de quem recebe os serviços", disse Furquim.
Entre os policiais, a sensação é de que a categoria está à deriva, sem garantias de que receberão atendimento de saúde adequado, caso necessitem. Tanto que nos últimos meses a Amai teve que entrar com 12 mandados de segurança na Justiça para que gestantes fossem atendidas em uma maternidade que mantém convênio com o HPM. "Para os policiais, ou é lá [no HPM] ou é SUS", resume o presidente da Amai.
Transparência
A falta de transparência da administração do HPM é contestada por Banaszeski. Segundo ele, por se tratar de um hospital de atendimento público, a utilização de todo o dinheiro repassado pelo estado é provada ao Tribunal de Contas. O major também afirma que o acesso aos investimentos feitos com a contribuição retirada da folha salarial dos policiais não é barrado. "Existem conselhos diretor e de usuários, que não fazem reuniões a portas secretas. Tudo é divulgado por boletins internos, nas atas, discutido em reuniões, que são públicas e fiscalizadas pelo conselho de usuários", informou.
Conforme o diretor, o hospital já tem um projeto para "consertar os problemas" da unidade, que, segundo ele, são ocasionados principalmente por problemas no caixa, liberações tardias realizadas pelo estado e falta de compromisso dos fornecedores.
Desde outubro de 2011 quando o hospital deixou de atender apenas militares e abriu as portas para os servidores públicos estaduais, familiares e seus dependentes que moram em Curitiba e região metropolitana -, o atendimento no local cresceu 375%. "Estamos implantando uma serie de melhorias para amenizar isso. Se eu dissesse que [o HPM] não tem problemas, estaria mentindo".
Comandante tentou forçar policiais a contribuírem com o FASPM
Além dos repasses da Secretaria de Administração, o FASPM recebe contribuições dos próprios policiais militares. Até meados do ano passado, o repasse era obrigatório: 2% descontados em folha de pagamento. Com a implantação da remuneração por subsídio, as contribuições passaram a ser facultativas, equivalentes a 0,5% do que o policial recebe.
Entretanto, o Comando da PM tentou convencer os policiais a continuarem revertendo dinheiro ao FASPM. Uma circular interna de setembro de 2012, obtida pela Gazeta do Povo, mostra que o coronel Roberson Luiz Bondaruk deixou claro que haveria cortes em uma série de benefícios médicos aos policiais caso eles não contribuíssem com o fundo (acesse o documento clicando no link acima à esquerda). De acordo com o documento, os PMS que não recolhessem a contribuição não teriam acesso a "ressonâncias magnéticas, próteses, órteses, materiais cirúrgicos, medicamentos especiais, tratamento odontológico, cirurgias refrativas, hemodiálise, psicologia e alguns casos de ressarcimento".
A Amai reagiu à circular e entrou com pedido de mandado de segurança, visando garantir o atendimento integral aos policiais, independentemente da contribuição. Os argumentos foram acolhidos pelo juiz Roger Vinicius Pires de Camargo Oliveira, que deferiu o pedido. Ele entendeu que, "se a liminar não for concedida, a Mensagem continuará a produzir efeitos, praticamente obrigando os policiais militares (até pelo princípio da hierarquia) a se inscrevem como contribuintes do FASPM".
De acordo com a administração do hospital, que negou que os policiais são obrigados a contribuir com o fundo, as contribuições são necessárias para manter a unidade, mas não são impostas. "Acontece que o fundo de saúde funciona como uma operadora de plano de saúde. Quando o Estado não consegue suprimir as despesas, a gente tem que assumir. A filosofia financeira é a mesma: se não tiver um número mínimo de adesão, não tem como funcionar", resumiu Banaszeski.