"Minha mãe ficou com fome no Haiti e me deu dinheiro para vir para o Brasil." Em uma frase, o haitiano Arnold Delus, de 27 anos, resume os sacrifícios que o levaram a deixar seu país e exprime toda a carga de esperança de construir uma vida melhor no Brasil. Após pedidos de ajuda, venda de bens para pagar as passagens e pelo menos uma semana de viagem, milhares de hatianos chegaram à Região Norte do Brasil e agora buscam oportunidades de emprego em várias partes do país. Nesta semana, 15 deles chegaram a São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, e se somam aos 70 que vieram recentemente ao Paraná.
Sete ficaram na cidade e trabalham nos ramos de panificação e engenharia civil, enquanto os outros oito encontraram oportunidades em São Paulo. Todos gostam de trabalho pesado, aprendem rápido e são humildes e afetuosos, garante a professora Nila Regina Cabral Bonin, que foi buscá-los em Porto Velho, Rondônia.
Nila e a família se sensibilizaram com a história dos haitianos, principalmente quando viram pela televisão imagens de alguns deles vivendo em um banheiro no Acre. Ela conversou com empresários paranaenses que manifestaram interesse em contratá-los e foi a Santa Catarina conhecer o trabalho de alguns refugiados que já estavam no país. Gostou do que viu e decidiu ir até o Norte do país buscar alguns deles. "Foi bem triste ver uma necessidade muito grande de ser ajudado", lembra.
Os patrões pagaram as despesas da viagem dos futuros empregados, muitos com ensino fundamental e idades que variam de 19 a 44 anos. Três deles trabalham na Panificadora Nogueira, como padeiros, confeiteiros e atendentes, e outros três ingressaram ontem na empresa Grochka Engenharia, como auxiliares de pedreiro. A sétima pessoa do grupo é Kerlande Amede, 41 anos, a única mulher, que por enquanto está ajudando Nila, dona de uma pousada.
Assim como Kerlande, a maioria deixou a família no Haiti e espera trazer os parentes haitianos para morar no Brasil. "Em 50 anos, o Haiti não melhora", diz o cozinheiro Richard Seraphin, 34 anos, que faz parte do grupo. Richard explica que o governo haitiano não ajuda a população e muitos passam fome. O Haiti, que já era o país mais pobre das Américas, teve sua situação agravada pelo terremoto que vitimou mais de 200 mil pessoas em janeiro de 2010. Assim como muitos, o cozinheiro perdeu familiares na tragédia e sobreviveu porque estava na República Dominicana, país de língua espanhola que faz fronteira com o Haiti.
A proximidade com a República Domicana, inclusive, faz com que alguns deles entendam e falem um pouco de espanhol, idioma que usam para se comunicar aqui. Também cada vez mais buscam falar português. "Em dois meses estou falando português", garante Richard. Os idiomas do Haiti são o crioulo e o francês.
A preocupação maior, no entanto, é juntar dinheiro para enviar para a família e futuramente trazê-la para o Brasil. Nos empregos atuais, os sete haitianos irão receber de R$ 700 a R$ 1 mil por mês. Além do salário, os empregadores se comprometeram a oferecer alojamento e alimentação. O ganho é bem superior ao que recebiam no Haiti para alguns deles o salário girava em torno de R$ 27, o que dá esperanças a Arnold de retribuir a ajuda da mãe para que ele viesse ao Brasil. Ele espera cumprir o pedido feito pela mãe, de retornar o dinheiro emprestado, e evitar que ela passe fome novamente.