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Dentro de uma realidade nacional caótica, os dados do sistema prisional paranaense se destacam por mostrar uma situação melhor do que a média brasileira. A avaliação é do novo diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Maurício Kuehne, que assumiu o cargo no dia 4. Presidente do Conselho Penitenciário do Paraná entre 2003 e 2005, promotor aposentado da Vara de Execuções Penais, vice-presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, professor na Faculdade de Direito de Curitiba e autor de 14 livros, Kuehne assume agora o órgão do Ministério da Justiça responsável pela execução da política penitenciária em todo o Brasil. Ele falou à Gazeta do Povo sobre o cenário que encontra e as possíveis alternativas para combater a superlotação de presídios e delegacias. Veja os principais trechos da entrevista:

Como o senhor avalia o sistema prisional do qual agora é o responsável?O sistema prisional como um todo, sabemos, está caótico. Temos um déficit nacional de 70 mil vagas e, para resolvê-lo, precisaríamos da construção imediata de mais de 100 penitenciárias. Como cada unidade custa pelo menos R$ 10 milhões, precisaríamos de R$ 1 bilhão, dinheiro que não existe. O orçamento do Fundo Penitenciário este ano foi de cerca de R$ 260 milhões, mas, por questões de política econômica, a verba caiu para R$ 140 milhões. Para 2006, estamos prevendo os mesmos R$ 140 milhões. Isso não resolve os problemas de um estado como São Paulo, imagine de um país inteiro. E os estados também não têm as condições necessárias para suprir o déficit.

Como atenuar o problema da superlotação sem os recursos disponíveis para novas penitenciárias?Precisamos da mobilização dos estados, tornando atuantes suas defensorias públicas. A maior parte da massa carcerária é formada por pessoas carentes, que não têm um advogado que faça por elas os pedidos de progressão de regime ou liberdade condicional. Muitos presos poderiam estar cumprindo uma liberdade condicional, ou em regime aberto, ou passar de uma penitenciária para uma colônia penal, mas temos poucas pessoas nas defensorias públicas para atender a todos os presos.

Quais são suas prioridades no Depen?O ministro Márcio Thomaz Bastos tem dedicado uma grande atenção à questão das penas alternativas, que precisam ser mais conhecidas, mais implementadas e mais fiscalizadas. Para isso é preciso conscientizar a mídia, a sociedade e o próprio Judiciário para mostrar que a pena alternativa tem eficácia. O segundo aspecto é a difusão dos Conselhos de Comunidade, um órgão de execução penal que deveria existir em toda comarca, mas cuja implementação avança muito lentamente. A terceira prioridade são os patronatos penitenciários, que ajudem quem sai da prisão por ter cumprido a pena ou estar em liberdade condicional. O patronato dá condições para que o egresso possa suprir as necessidades que ele terá em liberdade, como providenciar documentação, encaminhá-lo para sua família, seu ambiente, e saber que tipo de trabalho ele desempenhou enquanto estava cumprindo pena, para que ele saia, de uma forma ou de outra, profissionalizado.

Como penas alternativas e o patronato podem colaborar para desafogar o sistema prisional?Temos dois dados extra-oficiais interessantes. O primeiro é de que 20% a 30% dos presos poderiam estar cumprindo penas alternativas; eles fazem parte do segmento que não praticou a chamada "criminalidade de sangue", ou seja, crimes hediondos ou assemelhados. A pena alternativa se destina a quem foi condenado a até 4 anos por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa. O Ministério da Justiça encomendou um estudo para termos os números oficiais. A outra estatística mostra que, sem a assistência ao egresso, a reincidência está em torno de 80%, mas quando há a ajuda do patronato, a taxa cai para 10% a 15%. Ou seja, sem o patronato vamos devolver à sociedade um preso que cumpriu pena, resgatou sua dívida, mas, mais cedo ou mais tarde, vai voltar ao crime. Assim o sistema se realimenta. Para que o preso volte à sociedade reabilitado, ele precisa trabalhar ainda quando está detido, mas o índice de ociosidade nacional é de 72%, porque não há atividade para o preso dentro dos presídios. As secretarias estaduais de Justiça precisam dar condições para o trabalho dos detentos e a comunidade precisa participar por meio dos Conselhos de Comunidade, que, atuando nos municípios, podem encontrar meios para os presos trabalharem.

Qual é a situação do sistema prisional do Paraná?Ao lado do Rio Grande do Sul e de São Paulo, o Paraná tem uma das melhores realidades do sistema penitenciário. O estado destoa da realidade nacional por vários motivos. Em primeiro lugar, existe no Paraná um plano que prevê a criação de várias unidades de detenção. Se cumprido, o déficit de vagas nas prisões será zerado. A ociosidade nas cadeias (taxa de presos que deveriam estar trabalhando, mas não estão) é de 50% a 55%, bem abaixo da média nacional. Dos cerca de 200 Conselhos de Comunidade que existem no país inteiro, o Paraná tem 80. E o exemplo dos dois patronatos do estado precisa ser projetado para o Brasil.

Por que há resistência entre os estados, que não querem um bandido como Fernandinho Beira-Mar em suas penitenciárias?Não tenho detalhes sobre isso, sei apenas que no momento ele está em Santa Catarina. Mas é para isso que a construção dos presídios federais, um em cada região do Brasil, está caminhando a passos largos, para abrigar os criminosos de maior periculosidade, que estejam correndo risco de vida ou que possam colocar em risco a sociedade. Ainda este ano devemos inaugurar o de Catanduvas, no Paraná, e outro em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Certamente pessoas como Fernandinho Beira-Mar precisam estar em locais de segurança máxima, e o Brasil já tem vários desses estabelecimentos, inclusive no Paraná, com condições de abrigar qualquer tipo de preso.

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