As condições podem não ser as ideais, o dinheiro é sempre curto, a estrutura às vezes deixa a desejar. Apesar das dificuldades, as universidades paranaenses dispõem de um time de cientistas que consegue desenvolver trabalhos exclusivos e importantes, que figuram entre o que há de mais avançado no mundo em seu setor e que são expostos em publicações nas revistas científicas mais renomadas. Tratam-se de pesquisas complexas, mas com resultados promissores.
Um andar inteiro no centro de laboratórios do câmpus Curitiba da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) abriga o Laboratório de Engenharia e Transplante Celular, inaugurado em 2002. Lá, pesquisadores buscam formas de melhorar a vida de portadores de doenças graves, como diabete e problemas cardíacos, explica Waldemiro Grenski, coordenador do laboratório.
O núcleo de cardiomiócitos, comandado pelo cirurgião Paulo Brofman, foi responsável por uma técnica inédita em todo o mundo na recuperação de partes do miocárdio, o músculo cardíaco. "O que procuramos é encontrar meios de regenerar lesões decorrentes de um enfarte", diz ele. O "pulo do gato" foi colocar para crescer juntas células musculares da perna do próprio paciente e células-tronco adultas de sua medula óssea até então o cultivo dos dois grupos era feito separadamente e só na hora da cirurgia eram implantados juntos no coração do doente. O que os pesquisadores da PUCPR descobriram foi que, juntas, antes do transplante, as células se desenvolviam mais rápido. Elas se espalham pelo músculo, substituindo parte da "cicatriz" deixada pelo enfarte.
A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, do Ministério da Saúde, aprovou a técnica, mas por enquanto o transplante das células só pode ser feito durante cirurgias de ponte de safena. Nos dois pacientes que receberam o transplante até agora, os resultados são promissores. "Em ambos os casos houve melhora na contração do coração. Ainda não sabemos se a me-lhora será contínua ou se o quadro vai se estabilizar em algum momento. O coração nunca voltará a ser como antes do enfarte, mas o transplante barra o processo de degradação do órgão", diz Brofman. Em 2004 e 2005, os resultados da pesquisa renderam seis publicações em revistas de circulação internacional.
No núcleo de Enxertos Cardiovasculares, o professor Francisco Affonso da Costa estuda o transplante de válvulas cardíacas, que abrem e fecham para deixar passar o sangue e podem ter seu funcionamento prejudicado por doenças congênitas ou aterosclerose. "As alternativas para substituição são válvulas animais, que não duram a vida toda, e mecânicas, que podem ocasionar problemas com coágulos", explica Affonso.
A solução seria o uso de válvulas humanas, e a Santa Casa, onde Affonso trabalha, criou o primeiro banco de válvulas do Brasil. O problema é a rejeição: "A válvula tem uma estrutura que chamamos de matriz e é recoberta por células. Quando as células do doador morrem, as do receptor não preenchem o espaço. Com o tempo, sobra só a matriz. É como se esvaziássemos um prédio sem colocar ninguém no lugar", compara.
A PUCPR se associou a um grupo alemão em uma idéia diferente: em laboratório, eliminar todas as células do doador e deixar apenas a matriz da válvula. Neutra, ela poderia ser transplantada sem risco de rejeição. Vendo o "prédio vazio", as células do receptor se instalariam lá. "Dos cerca de 50 pacientes que receberam essas válvulas até hoje, todos estão bem", diz o pesquisador. A pesquisa foi premiada no Congresso Europeu de Cirurgia Cardíaca, em 2004. O próximo passo, explica Affonso, é não apenas esvaziar a válvula das células do doador, mas também extrair algumas células do receptor e cultivá-las em laboratório, junto com a matriz. Assim, quando a válvula for implantada no paciente, já terá suas próprias células.
O núcleo de Transplante de Ilhas Pancreáticas representa uma esperança para quem tem diabete tipo 1, o caso mais raro, em que o organismo não produz insulina, hormônio necessário à absorção da glicose pelas células. Os pacientes tomam injeções de hormônio todo dia, mas ainda assim desenvolvem complicações com o tempo e o transplante de pâncreas ainda é uma cirurgia arriscada, explica o professor Carlos Aita.
A alternativa seria isolar as ilhotas aglomerados de células que produzem hormônios e representam de 1% a 2% do total do pâncreas. "Para isso, é preciso injetar no órgão uma enzima que consome as células restantes e deixa as ilhotas. Mas, para ter células suficientes para um transplante, precisamos de dois ou três pâncreas doados", afirma Aita. As ilhotas são injetadas no fígado do paciente, onde se espalham e passam a produzir insulina.
Até hoje, foram realizados cerca de 500 transplantes de ilhotas em todo o mundo o Canadá é líder mundial na técnica. Um ano depois da operação, 70% dos pacientes não precisam das injeções de insulina, mas depois de cinco anos a proporção cai para 15%. "Parece um mau resultado, mas mesmo os que ainda precisam do hormônio usam doses menores, porque agora seu corpo também produz insulina. Os episódios de hipo ou hiperglicemia se tornam raros. O transplante não cura a doença, mas melhora muito a qualidade de vida do paciente", diz Aita.
Hoje, apenas a Universidade de São Paulo (USP) e a PUCPR têm a tecnologia para o transplante de ilhotas. "Nós temos tudo pronto, mas faltam doadores. Temos três pacientes na fila", afirma o professor.
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