Na fila
Fé e ansiedade marcam a espera por um órgão
Há três meses, José Ricardo de Oliveira, de 52 anos, deixou a família em Cascavel e se mudou temporariamente a uma casa de apoio de Curitiba. Ele está na fila para receber um coração e ficará na capital até que surja um doador e que o órgão seja, enfim, transplantado. Enquanto aguarda, se divide entre a fé e a ansiedade. "A espera me deixa ansioso. A gente fica olhando para o telefone, esperando tocar. Mas acho que tudo isso é um aprendizado. É você, Deus e uma coisa que você tem que passar."
O transplante é a última chance de Oliveira. Em 1998, sofreu um enfarte, aos 35 anos. Desde então, já foi submetido a 25 cateterismos, 14 angioplastias e teve implantado 14 stents coronarianos. Deposita sua esperança em um novo doador. "As famílias tinham que pensar que, ao autorizar a doação dos órgãos, estão salvando outras vidas", diz.
Ariberto Wegner, de 52 anos, conhece bem a angústia da espera. Em junho de 2012, veio de avião de Sinop a Curitiba, onde seria submetido a um transplante de rim. Por causa do nevoeiro, o voo dele só pôde pousar com quatro horas de atraso. Para não perder o órgão, o hospital decidiu implantá-lo em outro paciente. A partir de então, Wegner viveu por um ano em uma casa de apoio em Curitiba, esperando pelo transplante.
"Se aparecesse um novo rim, eu não queria perder a oportunidade por estar longe. Fiquei aqui. Eu e Deus." Wegner buscou na fé a força para resistir à espera. Em 15 de junho do ano passado, recebeu a ligação com a boa nova: deveria se apresentar na manhã seguinte ao hospital, pois havia um rim com condições de ser transplantado nele.
Desde julho do ano passado, um novo rim "filtra" o sangue de Ariberto Wegner, de 52 anos. Morador de Sinop, no Mato Grosso, o paciente teve o órgão transplantado no Hospital Evangélico de Curitiba. Assim como ele, centenas de pessoas ganham uma nova chance de sobrevida a cada ano, a partir de transplantes de órgãos ou de tecidos realizados no Paraná.
Em quatro anos, o estado pulou do décimo para o quarto lugar no ranking dos estados que mais salvam vidas por meio desse tipo de procedimento. Apesar disso, apenas um terço dos possíveis doadores (pacientes diagnosticados com morte encefálica) acaba se tornando doadores efetivos. O Paraná planeja dobrar o índice de doações em quatro anos.
No ano passado, o estado recebeu 623 notificações de possíveis doadores, das quais 217 terminaram com órgãos ou tecidos encaminhados a transplantes. Em 2010, haviam sido 380 notificações, com 103 doações efetivas. Segundo a Central Estadual de Transplantes (CET), mais de 60% das doações não ocorrem por causa da recusa da família dos potenciais doadores. Por isso, as autoridades do estado consideram que é possível avançar.
Conscientização
Hoje, o Paraná tem uma média de 12,7 doações por milhão de habitantes ocupa o sétimo lugar nesse ranking. A coordenadora do Sistema Estadual de Transplantes, Arlene Garcia Badoch, acredita ser possível atingir, nos próximos quatro anos, o patamar dos primeiros da lista. Com a melhor média, o Ceará tem 29,3 doadores por milhão de pessoas.
"Ainda estamos despontando. Com a experiência que tivemos e com todo o amadurecimento das equipes devemos chegar em 2018 com 30 doadores por milhão de pessoas", vislumbra.
Um dos focos é apostar na preparação das equipes que fazem o primeiro contato com familiares do paciente que teve morte encefálica. Em outra ponta, o estado deve se centrar na educação informando o impacto positivo que a doação de órgãos pode exercer: cada doador pode salvar sete vidas.
Para os médicos, os debates sobre doação de órgãos no Brasil ainda são muito recentes remontam a uma década e meia. Por causa disso, muitas pessoas ainda dizem não na hora de doar. "Estamos dez anos atrasados nessa discussão", disse o hepatologista Marcial Ribeiro, diretor da Fundação de Estudos das Doenças do Fígado. "Eu jamais me negarei [a doar], porque um órgão meu continuará vivo e eu continuarei a viver naquela pessoa", acrescentou o médico que também dirige o Hospital São Vicente.
Campanhas
A nefrologista Carolina Maria Pozzi lembra o impacto que campanhas educacionais provocam nesse contexto. Quando o músico Marcelo Fromer, do Titãs, morreu atropelado em 2001, e teve todos seus órgãos doados pela família, houve uma grande sensibilização em torno do tema. Resultado: aumentaram as doações efetivas.
"O caminho para ampliarmos o número de transplantes é a doação. Para isso, temos que apostar no esclarecimento da população, com um salto educacional e cultural", avalia.
Estado teve avanço de 150% desde 2010
Desde 2010, o número de órgãos transplantados aumentou 150% no Paraná: passou de 183 para 458 no ano passado. Só no primeiro trimestre de 2014, o estado já somava 336 órgãos e tecidos transplantados, atrás apenas de São Paulo, Minas Gerais e Ceará.
Boa parte desse avanço é explicada por uma equação que leva em conta a logística de captação e transporte dos órgãos e o trabalho para identificar doadores e sensibilizar as famílias para que autorizem a doação. Para isso, o estado implantou quatro Comissões de Procura de Órgãos e Tecidos, em quatro grandes centros: Curitiba, Cascavel, Maringá e Londrina.
"Cada uma tem a função de trabalhar todo o processo de identificar possíveis doadores, em uma área de abrangência de dois milhões de habitantes", explica a coordenadora do Sistema Estadual de Transplantes, Arlene Terezinha Cagol Garcia Badoch.
Assim que um paciente é diagnosticado com morte encefálica, o hospital comunica o fato à Central Estadual de Transplantes. Se a família autorizar a doação, ocorre uma corrida contra o relógio para que os órgãos e tecidos cheguem aos receptores em tempo hábil. A logística depende do local onde está o doador e o receptor do órgão. Para cada caso, há cinco planos de ação. Se um falhar, há sempre outra carta na manga.
"Entre a retirada do órgão e o transplante não podem transcorrer quatro horas. Então, vivemos no fio da navalha", diz Arlene. "O planejamento é determinante. Não existe fatalidade. Existe mau planejamento", acrescenta.
Outro fator que explica porque o Paraná avançou no ranking é o número crescente de atendimentos especializados feitos no estado. No Hospital São Vicente de Curitiba, por exemplo, o número de atendimentos a casos de doenças do fígado aumentou de 400, em 2010, para 1,4 mil, no ano passado. No mesmo período, o índice de transplantes deste órgão triplicou no hospital, aumentando de 12 para 37.
"Mesmo com o aumento do volume de transplantes, ainda tem uma demanda muito grande, que só não é atendida porque não há órgãos suficientes", diz o médico Nertan Tefilli.
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