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Para Daiane, o primeiro emprego significou a independência, mas a locomoção ainda é um problema | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
Para Daiane, o primeiro emprego significou a independência, mas a locomoção ainda é um problema| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

Depoimento

Manoel Negraes, 32 anos, cientista social, trabalha na Mobilização Social da Unilehu – Universidade Livre para a Eficiência Humana (manoel@unilehu.org.br).

"Nem tudo é o que aparenta ser"

Entre 15 e 16 anos de idade, durante o acompanhamento oftalmológico de rotina, descobri que tenho uma doença degenerativa na retina que causa perda visual progressiva: a retinose pigmentar. Desde então, convivo com essa condição. O universo da deficiência visual é muito variado e, segundo os especialistas, é formado por 80% de pessoas com baixa visão.

Na prática, consigo ver mais aquilo que está na minha frente do que aquilo que está no chão, correndo o risco de tropeçar bastante ou até mesmo cair em um buraco. Muitas pessoas com baixa visão não aparentam ter uma perda visual, pois os olhos não apresentam deformidades, como é o meu caso, já que a degeneração ocorre nas retinas, que ficam no fundo dos olhos. Com isso, é comum a desconfiança constante das outras pessoas ao me verem andar com a bengala e, ao mesmo tempo, olhar para elas ao conversar ou desviar de objetos na rua.

Deixo aqui, para finalizar, duas reflexões: uma em relação ao preconceito. Nem tudo é o que aparenta ser. Não julgue as pessoas com deficiência antes de conhecê-las, a partir de estereótipos errôneos que infelizmente já estão cristalizados no imaginário popular. Na dúvida, pergunte, busque informação e colabore para esclarecer e eliminar atitudes preconceituosas. A outra é sobre a bengala, instrumento que, apesar de ser um estigma, me proporcionou autonomia, melhorou minha autoestima e que no dia a dia me serve como arma na guerrilha por um mundo que respeite as diferenças de cada um. Espero que todos um dia consigam enxergá-la desta forma, que todos a vejam simplesmente como mais uma característica da diversidade humana.

Teor

Pontos propostos para o Estatuto Estadual da Pessoa com Deficiência:

Saúde

- Assistência integral, universal e gratuita, transporte se necessário e fornecimento de medicamentos para tratamento ambulatorial;

- Prevenção de deficiências: realização do Teste do Pezinho, exames auditivos e visuais em recém-nascidos, e exames de acuidade visual e auditiva nos alunos das escolas públicas estaduais em todo início de ano letivo;

- Primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias.

Mercado de trabalho

- Capacitação de recursos humanos;

- Ampliação das alternativas de inserção econômica da pessoa com deficiência, proporcionando qualificação profissional e incorporação no mercado de trabalho.

Educação

- Direito de opção pela frequência às classes comuns da rede comum de ensino, assim como ao atendimento educacional especializado;

- Ensino bilíngue (com Libras) para garantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva.

Assistência Social

- Destinação de imóveis populares comercializados pelo Estado às pessoas com deficiência ou familiares;

- Caberá ao Poder Público fornecer atendimento em casas-lares e abrigos para as pessoas com deficiência sem residência familiar e desamparadas pelo envelhecimento;

Mobilidade e acessibilidade

- Implantação de sinalização ambiental, visual e tátil para orientação de pessoas com deficiência nas edificações de uso público, uso coletivo e uso privado;

- Estabelecimentos privados e públicos deverão manter ao menos um de seus guichês adequado à altura e condizentes às necessidades das pessoas com deficiência, que utilizam cadeiras de rodas, para que tenham um melhor contato visual e de comunicação com o funcionário.

Para participar da consulta pública acesse www.seju.pr.gov.br ou envie email para estatutopessoacomdeficiencia@seju.pr.gov.br

Há mais de dez anos tramita no Congresso Nacional o Esta­­tuto da Pessoa com Defi­­ciência, mas a matéria ainda não tem previsão para aprovação. Com a dificuldade em criar uma legislação federal, a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Paraná resolveu elaborar um estatuto estadual. Até o dia 29 de fevereiro está aberta uma consulta pública para que cidadãos enviem sugestões para a nova lei.

A discussão sobre a criação de um marco legal coloca o tema da acessibilidade em pauta e revela a dificuldade em garantir a inclusão de pessoas com deficiência. No Congresso, o tema é alvo de embates porque o texto não estaria de acordo com as diretrizes apresentadas na Con­venção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, proposta pelas Nações Unidas em 2006.

O projeto de lei federal, proposto em 2000 pelo senador Paulo Paim (PT-RS), é considerado assistencialista e um dos principais pontos de discórdia é a falta de incentivo para a inclusão no mercado de trabalho. Pessoas que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) em função da deficiência, por exemplo, não podem trabalhar. O problema é que o BPC está fixado em apenas um salário mínimo e, sem a possibilidade de exercer uma atividade, não há como complementar o rendimento.

Mercado de trabalho

Outra demanda constante são cursos profissionalizantes para inserir a pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Desde 1991, uma legislação federal estipula um porcentual de pessoas com deficiência que as empresas devem contratar, dependendo do porte e número de funcionários. Apesar disso, muitos empregadores ainda descumprem a lei, seja pela dificuldade de encontrar profissionais ou pelo desconhecimento.

Para tentar aproximar em­­pre­­sas e pessoas com deficiência, surgiu em 2003 a organização não governamental Uni­­ver­­sidade Li­­vre para a Efi­­ciência Humana (Unile­­hu). Desde a sua criação, a Unilehu já ajudou a formar 5 mil profissionais e encaminhou 4 mil para vagas em empresas parceiras. A presidente da instituição, Andréa Koppe, diz que os cursos ofertados são gratuitos e, além da intermediação de vagas e cursos profissionalizantes, a ONG também presta atendimento psicossocial e estimula a elevação da escolarização formal.

Na outra ponta, as empresas recebem consultoria sobre como receber e gerenciar os novos funcionários. É possível, por exemplo, a realização de palestras para sensibilizar as equipes e até cursos de Libras. "O maior entrave é a empresa en­­tender as necessidades da pessoa com deficiência. Acessi­­bili­dade não é só arquitetônica, com a construção de rampas. Se houver acessibilidade, a deficiência tende a desaparecer", diz Andréa.

Para a atendente Daiane de Freitas Camargo, 21 anos, o primeiro emprego, conquistado há um ano, significou a independência. "Fiquei mais comunicativa e menos tímida", conta a jovem, que tem deficiência física. Parte do salário vai para uma poupança e o restante é investido em autoestima. Ela gosta de estar sempre bem vestida e maquiada e entre seus planos para o futuro está cursar o ensino superior. "A única dificuldade ainda é a locomoção em lugares públicos. As calçadas são esburacadas e impedem nosso acesso".

Escola faz inclusão geral

Com um projeto voltado para a inclusão de alunos com deficiência, a Escola Ana Ferreira da Costa, em Campina Grande do Sul, ficou em terceiro lugar no prêmio Fani Lerner, realizado ano passado. A discussão começou quando a instituição começou a receber os alunos, e os professores perceberam que não tinham a capacitação necessária para um bom acolhimento.

Dois alunos surdos do ensino fundamental chegaram à escola e o professor coordenador da iniciativa, Marcos Simioni, decidiu fazer um trabalho de inclusão em todo o colégio, não apenas nas turmas onde as crianças estudavam. Uma das ideias, por exemplo, foi criar a "hora da Libra". Todas as quartas-feiras, professores, alunos e funcionários se reuniam para aprender algo da linguagem de sinais. Os cartazes da escola também passaram a ser bilíngues.

Na sala de aula das crianças, a professora Simone Rodrigues de Freitas, especialista em Libras, fazia dois momentos de ensino, contemplando o português e a linguagem de sinais. Os docentes levavam para sala de aula materiais adaptados, como livros e jogos, que ajudavam a flexibilizar o conteúdo. Apresentações, como no Dia das Mães e dias folclóricos, também ganharam tradução em tempo real.

Convenção

Definição de pessoa com deficiência, segundo a ONU:

- São aquelas com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que podem obstruir sua participação plena na sociedade em igualdade de condições com os demais .

Princípios da Convenção :

- O respeito pela dignidade, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência;

- A não discriminação;

- A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade;

- Respeito pela diferença e aceitação dessas pessoas como parte da diversidade humana;

- A igualdade de oportunidades;

- A acessibilidade;

- A igualdade entre o homem e a mulher;

- O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito delas de preservar sua identidade.

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Interatividade

O que pode ser feito para aumentar a participação dos deficientes na vida em sociedade?

Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br

As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.

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