Há mais de dez anos tramita no Congresso Nacional o Estatuto da Pessoa com Deficiência, mas a matéria ainda não tem previsão para aprovação. Com a dificuldade em criar uma legislação federal, a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Paraná resolveu elaborar um estatuto estadual. Até o dia 29 de fevereiro está aberta uma consulta pública para que cidadãos enviem sugestões para a nova lei.
A discussão sobre a criação de um marco legal coloca o tema da acessibilidade em pauta e revela a dificuldade em garantir a inclusão de pessoas com deficiência. No Congresso, o tema é alvo de embates porque o texto não estaria de acordo com as diretrizes apresentadas na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, proposta pelas Nações Unidas em 2006.
O projeto de lei federal, proposto em 2000 pelo senador Paulo Paim (PT-RS), é considerado assistencialista e um dos principais pontos de discórdia é a falta de incentivo para a inclusão no mercado de trabalho. Pessoas que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) em função da deficiência, por exemplo, não podem trabalhar. O problema é que o BPC está fixado em apenas um salário mínimo e, sem a possibilidade de exercer uma atividade, não há como complementar o rendimento.
Mercado de trabalho
Outra demanda constante são cursos profissionalizantes para inserir a pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Desde 1991, uma legislação federal estipula um porcentual de pessoas com deficiência que as empresas devem contratar, dependendo do porte e número de funcionários. Apesar disso, muitos empregadores ainda descumprem a lei, seja pela dificuldade de encontrar profissionais ou pelo desconhecimento.
Para tentar aproximar empresas e pessoas com deficiência, surgiu em 2003 a organização não governamental Universidade Livre para a Eficiência Humana (Unilehu). Desde a sua criação, a Unilehu já ajudou a formar 5 mil profissionais e encaminhou 4 mil para vagas em empresas parceiras. A presidente da instituição, Andréa Koppe, diz que os cursos ofertados são gratuitos e, além da intermediação de vagas e cursos profissionalizantes, a ONG também presta atendimento psicossocial e estimula a elevação da escolarização formal.
Na outra ponta, as empresas recebem consultoria sobre como receber e gerenciar os novos funcionários. É possível, por exemplo, a realização de palestras para sensibilizar as equipes e até cursos de Libras. "O maior entrave é a empresa entender as necessidades da pessoa com deficiência. Acessibilidade não é só arquitetônica, com a construção de rampas. Se houver acessibilidade, a deficiência tende a desaparecer", diz Andréa.
Para a atendente Daiane de Freitas Camargo, 21 anos, o primeiro emprego, conquistado há um ano, significou a independência. "Fiquei mais comunicativa e menos tímida", conta a jovem, que tem deficiência física. Parte do salário vai para uma poupança e o restante é investido em autoestima. Ela gosta de estar sempre bem vestida e maquiada e entre seus planos para o futuro está cursar o ensino superior. "A única dificuldade ainda é a locomoção em lugares públicos. As calçadas são esburacadas e impedem nosso acesso".
Escola faz inclusão geral
Com um projeto voltado para a inclusão de alunos com deficiência, a Escola Ana Ferreira da Costa, em Campina Grande do Sul, ficou em terceiro lugar no prêmio Fani Lerner, realizado ano passado. A discussão começou quando a instituição começou a receber os alunos, e os professores perceberam que não tinham a capacitação necessária para um bom acolhimento.
Dois alunos surdos do ensino fundamental chegaram à escola e o professor coordenador da iniciativa, Marcos Simioni, decidiu fazer um trabalho de inclusão em todo o colégio, não apenas nas turmas onde as crianças estudavam. Uma das ideias, por exemplo, foi criar a "hora da Libra". Todas as quartas-feiras, professores, alunos e funcionários se reuniam para aprender algo da linguagem de sinais. Os cartazes da escola também passaram a ser bilíngues.
Na sala de aula das crianças, a professora Simone Rodrigues de Freitas, especialista em Libras, fazia dois momentos de ensino, contemplando o português e a linguagem de sinais. Os docentes levavam para sala de aula materiais adaptados, como livros e jogos, que ajudavam a flexibilizar o conteúdo. Apresentações, como no Dia das Mães e dias folclóricos, também ganharam tradução em tempo real.
Convenção
Definição de pessoa com deficiência, segundo a ONU:
- São aquelas com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que podem obstruir sua participação plena na sociedade em igualdade de condições com os demais .
Princípios da Convenção :
- O respeito pela dignidade, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência;
- A não discriminação;
- A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade;
- Respeito pela diferença e aceitação dessas pessoas como parte da diversidade humana;
- A igualdade de oportunidades;
- A acessibilidade;
- A igualdade entre o homem e a mulher;
- O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito delas de preservar sua identidade.
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