A cidade de Paranaguá, no litoral do estado, lidera um ranking triste: tem a maior incidência de aids do Paraná. A cada 100 mil habitantes, 30 têm a doença, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Saúde. Embora já tenha registrado números maiores em 2006, o índice era de 73,6 casos a cada 100 mil habitantes , a situação ainda é preocupante, visto que o município, de 140 mil habitantes, registra uma incidência quase seis vezes maior do que a média nacional, que é de 5,61 casos. Somente no ano passado, o Ambulatório de DST/aids do município notificou 150 novos casos. Desde 1984, quando surgiu o primeiro caso da doença no Paraná, Paranaguá já registrou 1.147 casos.
A condição de cidade portuária é uma variável importante para a elaboração de estratégias de prevenção da doença em Paranaguá. "O fato de o município ter uma área de porto certamente contribui para esses números. A cidade faz divisa com o mundo todo, e para cá vêm pessoas as mais variadas, algumas conscientes da importância da prevenção, e outras não", opina a diretora do Departamento de Vigilância Epidemiológica do município, Isabele Antoniacomi.
A professora do curso de Medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), Fabiana Schuelter Trevisol, autora de uma tese de mestrado sobre a infecção por HIV de prostitutas na cidade portuária de Imbituba (SC), explica que as cidades com porto, por registrarem alta transição de marinheiros, costumam atrair mais profissionais do sexo. "A oferta é maior porque há quem consuma esse serviço e, embora as prostitutas estejam mais conscientes, ainda há muitas que não se previnem. Além disso, nesses locais, há maior comercialização de drogas ilegais, o que aumenta o consumo de drogas injetáveis, outro comportamento de risco que facilita o contágio."
O diretor da ONG Hipupiara, de São Vicente, no litoral paulista, que representa os direitos de portadores que vivem na Baixada Santista e arredores, Beto Volpe, concorda. "A figura do marinheiro como aquele homem que tem um amor em cada porto já é emblemática. Ele passa dias embarcado, e quando volta para terra, ele quer diversão, na maioria das vezes, por meio do sexo, e nem sempre de modo seguro. Isso vale também para o embarcado que consome drogas", comenta.
A relação entre os números altos de casos e os portos pode ser comprovada pelo último Boletim Epidemiológico de aids, divulgado pelo Ministério da Saúde em novembro de 2009: entre os 100 municípios brasileiros com mais de 50 mil habitantes que apresentam maior incidência da doença, 17 são portuários. A campeã nesse ranking é Porto Alegre, com 111,5 casos para cada 100 mil pessoas. Paranaguá ocupa a 97.ª posição.
Negligência
Para a coordenadora do Ambulatório de DST/aids do município, Carla Neri, outra explicação para o alto número de casos é a recusa da população em fazer testes. "Muitos acreditam que isso nunca vai acontecer com eles, se recusam a fazer o teste e, assim, não sabem se têm a doença, fazem sexo sem camisinha e acabam contaminando outras pessoas", argumenta.
A coordenadora afirma que muitas mulheres casadas, hoje o grupo mais vulnerável, só descobrem a doença quando estão grávidas, pois a realização do teste é obrigatória em casos de gravidez. "Ainda há muito preconceito, embora haja bastante informação. Enquanto isso persistir, junto com a ideia de que isso só ocorre com o vizinho, vamos continuar a ver os índices crescerem."