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Irregularidade

Parceria ilegal, receita na mão

Loja das óticas Visomax no centro de Curitiba: consulta com oftalmologista por R$ 15 e receita sem identificação | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Loja das óticas Visomax no centro de Curitiba: consulta com oftalmologista por R$ 15 e receita sem identificação (Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo)

Na calçada, em frente da ótica, a funcionária grita a plenos pulmões: "Exame de vista a preço popular. Consulta na hora!" O valor da consulta médica, como prega a jovem de agasalho vermelho e azul, é tentador: R$ 15. O atendimento, facilitado, em um consultório próximo. Disfarçada de incentivo à população de baixa renda, a estratégia comercial parece mesmo um sucesso, não fosse ilegal. A tática adotada a olhos vistos por algumas óticas fere a legislação que regula a profissão de médicos oftalmologistas e o funcionamento de óticas, além de ser condenada por entidades do setor.

As leis vigentes proíbem qualquer associação de médicos com óticas e vice-versa. Oftalmologistas não podem indicar óticas, preencher receitas sem identificação (nome e registro profissional) ou oferecer vantagens não concedidas a demais clientes. Às óticas, é proibido manter consultório mé­­dico, mesmo em outro local. O artigo 16 do Decreto 24.492/1934 detalha que é vedado ao estabelecimento "indicar médico oculista que dê aos seus recomendados van­­­tagens não concedidas aos demais clientes e distribuir cartões ou vales que dêem direito a consultas gratuitas, remuneradas ou com redução de preço".

Exame

No Centro de Curitiba, a reportagem da Gazeta do Povo fez uma consulta médica por orientação de uma funcionária da ótica Visomax. Os exames de acuidade visual foram feitos no Consultório Oftalmo­lógico Monsenhor, em um prédio na Rua Monsenhor Celso, ao lado de uma das seis lojas da rede. Sem precisar marcar hora, o cliente é levado por um atendente da ótica ao local, onde é examinado em poucos minutos. O atendente aguarda no consultório pa­ra acompanhar o cliente novamente até a loja, onde é feito um orçamento das lentes prescritas.

Sem saber que estava sendo gravada, a funcionária da Visomax na Rua XV de Novembro, que acompanhou a reportagem até o consultório, relatou que a prescrição e venda dos óculos ocorre por meio de uma "parceria" com os médicos. "A gente indica a doutora e daí a doutora indica a nossa loja. É tudo indicação. Por enquanto a consulta é R$ 15. Ago­ ra, no consultório dela, pagar uma consulta é R$ 200. Aqui é mais barato por causa da parceria, ela faz mais barato pro cliente, daí a loja cobre o resto", relatou a atendente.

Ao ser abordado, o cliente recebe um cartão do consultório. No verso consta o nome da funcionária da ótica, que recebe comissão pelo atendimento. Em outras três ocasiões, funcionários de outras lojas da rede também ofereceram exames a R$ 15 à reportagem. Um dos funcionários disse que o valor poderia depois ser descontado do valor do óculos. "Você consulta aqui no consultório e depois vem aqui na loja. Eles cobram R$ 15, mas fazendo o óculos a gente dá o desconto", afirmou o atendente da loja da Rua Monsenhor Celso, ao lado do consultório.

A reportagem foi atendida por uma médica que constatou 0,5 grau de miopia no repórter. Ao final da consulta, ela disse que os óculos poderiam ser feitos em qualquer ótica. No entanto, na receita com a prescrição das lentes não constava o nome da médica nem o número de registro no Conselho Regio­nal de Medicina. Não poderia, portanto, ser aceita em nenhuma ótica. Pelo menos na teoria.

Investigação

No início do ano, a rede Visomax foi investigada pela Delegacia de Estelionato e Desvio de Cargas de Curitiba. Segundo as investigações, a ótica faria parte de um esquema que envolvia pelo menos 30 empresas de fachada, que emitiam notas frias para encobrir o contrabando de óculos da China. De acordo com o delegado responsável pelo caso, Cassiano Aufiero, a investigação ainda está em andamento, com previsão de novas diligências nos próximos 30 dias.

Exame atestou que o repórter tem 0,5 grau de miopia. Só faltava comprar os óculos (Imagem: reprodução)

Interatividade

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