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O Senado aprovou, em 10 de junho, o projeto de lei que institui o Certificado de Imunização e Segurança Sanitária (CSS) – uma espécie de “passaporte sanitário” ou "passaporte da vacina" que, na prática, permitirá a circulação exclusivamente de pessoas imunizadas ou que testaram negativo para Covid-19 ou outras doenças infectocontagiosas em ambientes públicos ou privados que implementem restrições de acesso durante a pandemia.

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A proposta, de autoria do senador Carlos Portinho (PL-RJ), com texto substitutivo elaborado pelo senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), foi aprovada por 72 votos favoráveis e nenhum contrário; oito parlamentares não participaram da sessão. O texto segue para votação na Câmara dos Deputados.

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O que diz o projeto de lei que institui o Certificado Sanitário

De acordo com o autor da proposta, o CSS será implementado por meio de uma plataforma digital disponibilizada sem custos para residentes no Brasil e permitirá a emissão de quatro documentos:

  • Certificado de Nacional de Vacinação (CNV): documento padrão já existente que comprova a vacinação contra diversas doenças e é necessário para a entrada em alguns países.
  • Certificado de Vacinação Internacional e Testagem (CVIT): documento que comprova que a pessoa recebeu as vacinas exigidas para o embarque em destinos que as exigirem.
  • Certificado de Testagem (CT): declaração que atesta que o cidadão realizou recentemente um teste para detecção de doença infectocontagiosa causadora de surto ou pandemia.
  • Certificado de Recuperação de Doença Infectocontagiosa (CRDI): registro que informa que seu titular se recuperou de uma doença infectocontagiosa.

Caso o projeto de lei seja aprovado também na Câmara dos Deputados e depois sancionado por Jair Bolsonaro, o “passaporte sanitário” será utilizado para autorizar a entrada em locais e eventos públicos, o uso de meios de transporte coletivos, o ingresso em comércios, hotéis, parques, reservas naturais, entre outros. De acordo com o autor da proposta, a medida será utilizada também para que estados e municípios suspendam ou abrandem restrições de circulação de pessoas ou acesso a locais públicos e privados em decorrência da pandemia da Covid-19.

“Dessa forma, garantiremos não somente o direito de circulação da população, mas também a diminuição dos efeitos nocivos do isolamento social prolongado, bem como a manutenção das atividades econômicas que não puderam se adaptar a sistemas remotos de oferta de serviços e produtos”, cita o senador Carlos Portinho na justificativa do projeto.

“Atualmente, mais de 12 milhões de pessoas já se recuperam da doença no país e o número de casos ativos não passa de 1,3 milhão. Esses dados evidenciam que a imensa maioria da população brasileira não se encontra infectada com o coronavírus, estando em plenas condições de retomarem suas atividades normais”, cita o parlamentar.

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Segundo o texto aprovado, os estabelecimentos que desejarem impor restrição de acesso a pessoas que não tiverem o CSS deverão apresentar na entrada do local a seguinte informação: “O ingresso neste local está condicionado à apresentação do Certificado de Imunização e Segurança Sanitária (PSS)”; os estabelecimentos ficarão responsáveis pelo controle dos acessos.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

Medida é vista com cautela por juristas

A criação de um documento capaz de proibir a circulação, em determinados locais, da parcela da população que não foi vacinada contra a Covid-19 é alvo de ressalvas por parte de juristas consultados pela Gazeta do Povo.

Para Antonio Jorge Pereira Júnior, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), a implementação da medida fora de um contexto concreto de restrição dos direitos fundamentais, como é o caso do estado de sítio, é abusiva. “Se determinar que um espaço público está fechado por questão sanitária e, com isso, não será permitido o acesso a ninguém, tudo bem. Mas conceder acesso apenas a quem tomou as duas doses das vacinas é discriminatório”, cita o jurista.

Ele explica que a finalidade da medida é positiva, uma vez que busca evitar contaminações, mas a forma como está sendo conduzida é inconstitucional, já que restringe o direito de ir e vir de parte da população. “A Constituição Federal, quando aborda esse direito, não cita esse tipo de restrição como possível. A tentativa de redução de risco é louvável, mas o método é juridicamente inapropriado”, declara Pereira Júnior.

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O doutor em Direito ressalta que a medida se torna mais abusiva na medida em que o Estado ainda não foi capaz de disponibilizar a vacinação a toda a população. “Uma coisa é determinar que para entrar em uma repartição pública é preciso usar máscara. Tudo bem, porque é uma medida acessível. Agora, se determinar que só é permitida a entrada de quem for vacinado, então o Estado precisa colocar vacina na entrada de todos os locais públicos, para que pessoa possa optar por tomar”, diz o jurista. “Se o país demora para fornecer vacina, então quem não tomou não terá o pleno direito de ir e vir. É correto isso?”, questiona.

Para André Gonçalves Fernandes, pós-doutor em Filosofia do Direito e professor-visitante da Universidade de Navarra (Espanha), a proposta de controle sanitário tem um aspecto inicial positivo, uma vez que reduziria medidas excessivamente restritivas determinadas pelo poder público e daria mais liberdade aos cidadãos para agirem livremente no contexto econômico e social. Ele ressalta, contudo, que como as vacinas contra a Covid-19 foram desenvolvidas em caráter emergencial, não é possível equipará-la às demais vacinas obrigatórias no Brasil, que possuem histórico de vários anos de acompanhamento, o que permite mensurar aspectos como a efetividade do imunizante, bem como seus efeitos adversos e contraindicações.

“A medida acaba por obrigar o cidadão a ser imunizado, e o caráter obrigatório da vacinação em si de fato existe, mas isso se refere às vacinas com anos de acompanhamento. Como a vacina contra a Covid-19 tem esse caráter emergencial, obrigar a população a ser imunizada retira o intento positivo da proposição”, diz o jurista.

Quanto aos cidadãos que optarem por não serem imunizados contra a Covid-19, Fernandes explica que, em caso de aprovação do projeto de lei, eles precisarão acionar a Justiça para garantir o direito à livre circulação. “Quem optar por não tomar terá que pedir alguma medida judicial, uma espécie de ‘habeas corpus sanitário’ que garanta seu direito de ir e vir sem tomar a vacina”, afirma.

Já o professor de Direito Constitucional e procurador do Ministério Público Federal (MPF) André Borges Uliano explica que, de acordo com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de dezembro de 2020, que definiu que estados e municípios podem determinar que a vacinação seja obrigatória, um dos requisitos apontados pela Corte foi que os imunizantes tivessem “ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações”.

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O procurador do MPF aponta que, devido ao caráter emergencial das vacinas contra a Covid-19, não estão sendo observados esses requisitos no projeto de lei em questão. A medida, segundo ele, indiretamente estaria “obrigando” os cidadãos a receberem a imunização, mesmo que sem os requisitos determinados pelo STF, para não perderem direitos fundamentais.

“Pode haver medidas de controle sanitário, mas para esse tipo de determinação é preciso que haja provas mais amplas a respeito da segurança e eficácia das vacinas”, afirma Uliano. “Alguns dos imunizantes contra a Covid-19 têm apresentado – ainda que raramente, não a ponto de não valer a pena se vacinar – reações adversas o que fez que alguns países desautorizarem sua aplicação a determinadas idades e grupos”.

Para o procurador do MPF, a instituição do “passaporte sanitário” – especialmente quando não se estabelece um prazo predeterminado para sua vigência – é grave ao mexer com direitos básicos do cidadão. “O texto basicamente diz que a liberdade deixou de ser regra e passou a ser uma concessão do Estado. Isso é perigoso, pois na medida em que se institui essa lógica de que a liberdade é uma concessão do Estado, futuramente, podem ser colocadas novas exigências para manter a permissão do direito à locomoção”.

Senadores dizem que “passaporte sanitário” brasileiro é semelhante a iniciativas de países europeus

De acordo com o senador Veneziano Vital do Rêgo, o CSS é inspirado em proposta similar da União Europeia (UE), que instituiu o Certificado Verde Digital no âmbito do território europeu, com o objetivo de unificar as regras adotadas por diversos países para conciliar o combate à pandemia com o direito à livre circulação dos cidadãos.

O senador Oriovisto Guimarães (Pode-PR) também destaca o embasamento internacional da medida. “Votei favoravelmente ao projeto, aprovado por unanimidade no Senado. A Europa inteira já adotou algo similar. Este certificado, que será essencial para as futuras viagens internacionais, é quase que um certificado de vacinação. Só quem é contra a vacina pode ser contra este certificado”, disse o parlamentar.

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Pereira Júnior, entretanto, faz uma ressalva quanto às diferenças entre a proposta brasileira e medidas semelhantes que estão sendo criadas em outros países, sobretudo no continente europeu. O Certificado Digital Covid instituído pela União Europeia – que entrará em vigor no dia 1º de julho e já conta com a adesão de várias nações – tem como premissa facilitar o deslocamento dos cidadãos europeus entre os diferentes países do continente e não foca na restrição de circulação dos cidadãos não vacinados a estabelecimentos públicos ou privados.

“O que está se fazendo no Brasil com essa ideia de restringir acessos, especialmente quando se fala em espaços públicos, é outra coisa. Pegaram a ideia original e fizeram uma analogia equivocada”, afirma o jurista.

Texto sobre "passaporte sanitário" segue à Câmara; Bolsonaro diz que vetará

Após a aprovação no Senado, o texto sobre o "passaporte sanitário" será agora avaliado na Câmara dos Deputados e, caso aprovado, será submetida à sanção ou veto presidencial. Nesta terça-feira (15), no entanto, Jair Bolsonaro disse a apoiadores que vetará o "passaporte sanitário" caso seja aprovado pelos deputados. Se isso ocorrer, o Congresso ainda poderá derrubar o veto do presidente.

"Eu não acredito que passe no Parlamento. Se passar, eu veto e o Parlamento vai analisar o veto. Se derrubar, aí é lei", disse Bolsonaro.