Rita de Cássia Pires poderia ter escolhido quaisquer outros temas para representar Curitiba. Mas o comércio tem um significado particular. "É um lugar de troca, essencialmente. Mais do que o produto pelo dinheiro, nestes espaços o vendedor e o consumidor sabem das preferências, manias, predileções. Têm mais conhecimento do outro. Ultrapassa o comercial, alcança o afetivo", diz Maria Luiza Marques Dias, arquiteta e professora de planejamento urbano da UFPR. É um vínculo que se perde com o tempo e a modernização do comércio atual. "Hoje há quem procure lojas impessoais, que não exigem o contato", afirma.
Para a professora, é a gentileza no trato muito presente nos comerciais antigos que diferencia os relacionamentos e acaba marcando os locais como referência. "É o que faz valer a pena atravessar a cidade para comprar uma broa, por exemplo. Essa cordialidade é parte integrante do que se comercializa em lugares assim", diz.
Mas nem só o que é centenário ou tradicional tem sua carga de afeto e aconchego, tão necessários quando se trata de patrimônio urbano. "Nem tampouco o que só é valioso. Patrimônio é carinho, é cuidado, é acolhida. Por isso as cidades precisam traçar seu planejamento respeitando sua história, seus pontos de referência. Sejam eles perfeitos como o Museu Paranaense, ícone da art nouveau em Curitiba ou uma casa de polaco, com seus lambrequis. Paredes têm mais do que ouvidos. Têm olhos, cheiros... São testemunhas de uma parte da vida do bairro, e por conseqüência, da cidade", aponta.
Maria Luiza lembra que preservar o patrimônio não significa mantê-lo intocado, imutável. "Sua transformação agrega tecnologia e afeto, valores que o espaço tem para a sociedade que o preserva", diz. Curitiba é cheia de exemplos de pontos caros à população, que, bem ou mal, interfere no planejamento urbano para defender seus nichos. Foi assim quando Rua XV foi fechada e quando surgiu a idéia de reabri-la para os automóveis, no ano passado. "A cidade se obriga a procurar outras soluções para respeitar estes espaços", diz ela.
Mas antigo bom é antigo autêntico. Carregado de história, de coisa pra contar. O estilo tem sido exaustivamente usado como decoração, principalmente em casas noturnas curitibanas. Para Maria Luiza, modismo passageiro. Rita tem outra percepção. "Eu acho que esse resgate tem a ver com uma nostalgia intrínseca do curitibano. Ele gosta do tradicional, sente-se bem em lugares assim, por isso essa opção pelo estilo "armazém" tem feito sucesso e vem sendo tão copiado", contrapõe Rita de Cássia. Atire o primeiro balde de latão quem nunca guardou uma quinquilharia para colocar na estante de casa. (APF)