Os sinais são claros: a pauta da legalização do aborto entraria com força no Planalto em um eventual terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como presidente. Em menos de dois meses, o petista escancarou sua opinião pessoal em uma palestra e deixou evidente em seu programa de governo que estaria disposto a radicalizar sobre a questão.
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Nas “Diretrizes para o Programa de Reconstrução do Brasil - Lula 2023-2026”, encontra-se a seguinte orientação: “O Estado deve coordenar uma política pública de cuidados e assegurar às mulheres o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos”. Como já mostrou a Gazeta do Povo, a expressão “direitos sexuais e reprodutivos” serve para mascarar a defesa do aborto em documentos públicos. A expressão sinaliza às pessoas mais engajadas no tema que a pauta do aborto está contemplada no discurso, sem tornar isso transparente para o restante do público.
Instituições notoriamente abortistas, como a americana Planned Parenthood e o Instituto Anis, no Brasil, usam “direitos sexuais e reprodutivos” em suas declarações de princípios. Já a Rede Nacional Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, uma das maiores ONGs de apologia ao aborto do Brasil, leva a expressão em seu próprio nome.
Em reportagem de fevereiro da Gazeta do Povo, Lenise Garcia, professora aposentada do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB) e presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida - Brasil sem Aborto, explicou que a expressão “direitos sexuais e reprodutivos das mulheres” começou a ser usada em conferências da Organização das Nações Unidas sobre a mulher na década de 1990. “Naquelas conferências, ainda muita gente foi enganada por essa expressão. Acabaram aprovando documentos em que elas constavam sem se dar conta, exatamente, do que estava sendo colocado”, disse. “É evidente que isso é um eufemismo para se referir, principalmente, ao aborto”, acrescentou.
Falar mais às claras sobre aborto é parte da estratégia de Lula
Em abril, o ex-presidente Lula afirmou que o aborto “deveria ser transformado em uma questão de saúde pública, e todo mundo ter direito, e não ter vergonha”. Dias depois dessa fala, Lula moderou o discurso alegando que é contra a prática, mas reiterou que pretende “transformar essa questão do aborto em saúde pública”.
Assim como “direitos sexuais e reprodutivos”, dizer que o aborto é “questão de saúde pública” é também um recurso comum para acenar a abortistas sem manifestar abertamente o respaldo à permissão para o homicídio de bebês em gestação. Na Argentina, por exemplo, quando a legalização do aborto foi aprovada, o presidente que sancionou a lei, Alberto Fernández, celebrou dizendo: “Hoje somos uma sociedade melhor, que amplia os direitos das mulheres e garante a saúde pública”.
A decisão de Lula de tocar no tema do aborto tem sido criticada por parte da esquerda e do centro, que vê nesse tipo de manifestação uma ameaça contra sua candidatura. O ex-presidente já teria deixado claro, no entanto, que falar em legalização do aborto não foi um deslize, mas parte de uma estratégia. Em abril, segundo a coluna Lauro Jardim, do jornal O Globo, em jantar com caciques do MDB, Lula disse que resolveu se arriscar na área dos costumes por saber que seu principal adversário, o presidente Jair Bolsonaro, vai querer abordar esses assuntos na campanha.
A mesma lógica parece estar conduzindo outros membros da cúpula do PT. Em eleições anteriores, petistas raramente manifestavam suas opiniões sobre o aborto de forma pública. No atual período eleitoral, há menos esforço para camuflá-las.
Duas mulheres importantes no partido – a presidente da sigla, Gleisi Hoffmann (PT-PR), e Ana Estela Haddad (PT-SP) – assinaram recentemente um manifesto que faz apologia à expansão do acesso ao aborto no Brasil. Em 2020, a secretária Nacional de Mulheres do PT, Anne Moura, afirmou sobre a legalização do aborto na Argentina: “Essa vitória faz parte da luta internacional das mulheres para a garantia do aborto legal, seguro e gratuito. Nossas ‘hermanas’ acendem a chama feminista na América Latina”. O site oficial do PT tratou a legalização do aborto na Argentina como “histórico” e como uma garantia à “autonomia das mulheres diante dos seus corpos”
Desde 2007, a legalização do aborto está oficialmente entre as plataformas do PT, ainda que seus candidatos tenham usado evasivas para se manifestar sobre o assunto durante campanhas anteriores à Presidência, por temor de rechaço do eleitorado.
Em seu período no poder, contudo, o partido deixou um legado nocivo nesse campo. No governo de Dilma Rousseff, o Ministério da Saúde preparou orientações para abortos com medicamentos como o misoprostol, cuja venda é proibida no Brasil, e publicou portarias com linguagem ambígua que facilitaram o acesso ao aborto pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Indicações ao STF poderiam reforçar pauta abortista
Se o Executivo pode fazer pouco mais do que publicar portarias e emitir orientações sobre o aborto, e se o Congresso brasileiro tende a ser pouco receptivo a projetos de lei nesse sentido, o PT poderia encontrar em outro poder uma saída mais eficaz para fazer prevalecer suas visões: o Judiciário. O Supremo Tribunal Federal (STF) já sinalizou tendência majoritariamente contrária à defesa da vida em algumas ocasiões, e, em 2023, o presidente da República poderá indicar dois novos magistrados para as 11 cadeiras da Corte.
Logo em maio do ano que vem, sairá de cena Ricardo Lewandowski, um dos únicos dois ministros que votaram contra a permissão do aborto de bebês anencéfalos em 2012. Depois, em outubro de 2023, é Rosa Weber quem vai se aposentar. Em eventual retorno à Presidência, Lula poderia usar as duas novas vagas para carregar ainda mais para o lado petista a tendência da Corte.
Atualmente, o STF tem em mãos um pedido do PSOL de descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, de 2017. Vale lembrar que a relatora dessa ação é Rosa Weber. Após sua aposentadoria, é seu substituto quem assume automaticamente a relatoria dessa ADPF.
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