Congresso Nacional em Brasília. Avanços no Legislativo aguardados por eleitores conservadores não se confirmaram na atual legislatura| Foto: Pedro França/Agência Senado
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Mesmo com um número expressivo de deputados federais e senadores de direita eleitos em 2018, a atual legislatura, que teve início em 2019 e se encerra neste ano, não trouxe tantos avanços em pautas conservadoras como era esperado pelos eleitores.

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Embora tenha havido alguns pequenos progressos, como a aprovação da educação domiciliar na Câmara dos Deputados após dez anos de tramitação, foram poucos os projetos de lei aprovados de temas como defesa da vida e da família, medidas anticorrupção, combate à ideologia de gênero, redução de privilégios, controle fiscal, liberdades individuais e fortalecimento da segurança pública.

Diversas propostas sobre esses temas foram apresentadas, e muitas chegaram a progredir nas comissões da Câmara e do Senado. Parte delas, entretanto, está apta para ir a plenário há tempos, mas não foram por decisão dos presidentes das duas casas legislativas – Rodrigo Maia (PSDB-RJ), por exemplo, bloqueou deliberadamente as pautas de costumes durante o período em que foi presidente da Câmara.

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Conforme parlamentares relataram à reportagem, há diferentes motivos que podem explicar o progresso limitado. O principal deles é a pandemia da Covid-19, que desde 2020 passou a tomar grande parte do espaço no Congresso, em temas relacionados tanto à saúde quanto aos impactos econômicos decorrentes da crise sanitária. Além disso, durante o período mais sensível da pandemia todas as comissões das duas casas legislativas ficaram estacionadas, o que retardou o andamento de propostas que não mantinham relação com a crise de saúde.

A desorganização entre os próprios parlamentares de direita e até mesmo a falta de uma atuação mais enfática em discussões sobre temas sensíveis e caros ao conservadorismo também são apontados por congressistas ouvidos pela reportagem como elementos que dificultaram maiores conquistas.

Além disso, alguns dos eleitos na “onda Bolsonaro” de 2018 a partir de bandeiras de direita acabaram mudando suas posições ao longo do mandato. Um exemplo dessas bruscas mudanças de posicionamento é o deputado federal Alexandre Frota (Pros-SP). Eleito como um combativo defensor de bandeiras de direita, rompeu com o presidente Jair Bolsonaro (PL) logo no início do mandato e, passados quatro anos, tornou-se ferrenho apoiador da candidatura de Lula (PT) à Presidência.

Com ironias e críticas frequentes a valores tradicionais, acabou perdendo a base que o elegeu em 2018, quando somou 155 mil votos, e neste ano perdeu a disputa para deputado estadual por São Paulo ao fazer apenas 24 mil votos. Em grande parte das vezes, Frota votou de forma contrária à base conservadora da Câmara e passou a acompanhar a votação de parlamentares de partidos como PT, PSOL e PCdoB.

Por fim, com alguma frequência, parlamentares de direita se manifestaram de maneira atípica em temas de grande interesse de eleitores de perfil conservador. Um desses casos de “fogo-amigo” ocorreu em 2019 durante as tentativas de criação da chamada “CPI Lava-toga”, articulada por senadores para investigar abusos por parte de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O senador Flávio Bolsonaro foi um dos principais opositores da medida, atuando de forma similar à bancada do PT para impedir a instalação da CPI. Na época, o filho de Bolsonaro disse que a investigação de atos de ministros traria “instabilidade política” ao país e pressionou outros senadores a retirarem assinaturas de apoio à CPI.

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Ao longo da atual legislatura, essas votações incomuns ocorreram de maneira frequente – mais recentemente, em 13 de dezembro, a Câmara votou favoravelmente a alterações na Lei das Estatais reduzindo de 36 meses para apenas 30 dias o período de quarentena para que pessoas indicadas para a presidência ou direção de empresas públicas possam assumir os cargos. Na prática, a decisão abriu caminho para que o ex-ministro Aloizio Mercadante, indicado horas antes da votação por Lula, assuma o comando do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Entre os que votaram favoravelmente à proposta estão vários deputados que publicamente se denominam conservadores, como Carla Zambelli (PL-SP), Caroline de Toni (PL-SC), Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Marco Feliciano (PL-SP).

Câmara apresentou mais progressos do que o Senado, ainda que pouco expressivos

Apesar de a aprovação do homeschooling (ensino domiciliar) na Câmara dos Deputados, em maio deste ano, ser apontada por deputados de direita como um dos grandes avanços da atual legislatura, o tema ainda deverá ser votado pelo Senado e, dada a sensibilidade do assunto, tende a ter lenta tramitação.

O Projeto de Lei (PL) 3723/2019, que regulamenta o porte de armas para os chamados CACs (caçadores, atiradores e colecionadores), encontra-se em situação parecida. Aprovado em 2019 pela Câmara, a proposta tem tramitação em ritmo lento no Senado – atualmente o texto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da casa. Vários mecanismos previstos nessa proposta estão nos decretos do governo federal que tratam dos CACs, mas como tais decretos não têm poder de lei, deverão ser revogados pelo novo governo de Lula (PT) caso não sejam transformados em lei.

Como exemplo de outros avanços na agenda conservadora está uma mudança na lei nacional de controle de armas que, após ser aprovada na Câmara e no Senado, entrou em vigor em setembro de 2019 e passou a permitir que produtores rurais portem armas de fogo em toda a extensão de suas propriedades – medida apontada como um dos elementos que contribuiu para a queda de roubos em Goiás. O entendimento anterior era de que a arma não podia sair de dentro do domicílio dos moradores; na prática, a medida inviabilizava a autodefesa por parte dessas pessoas, cujas residências normalmente ficam em áreas isoladas, até mesmo dos vizinhos, e distantes da presença das forças de segurança pública.

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Outro tema que teve pequeno avanço na Câmara foi o projeto de lei que agrava pena para homicídio com imposição de ideologia de gênero. A proposta foi apelidada de “Lei Rhuan Maycon”, em referência ao menino de nove anos morto pela mãe e sua namorada no Distrito Federal. As mulheres fizeram uma cirurgia caseira para retirar o órgão sexual do menino porque queriam “transformá-lo” em menina. Apesar da ofensiva de deputadas feministas, em junho de 2021 o projeto de lei foi aprovado na CCJ da casa e aguarda ida a Plenário.

Ativismo judicial e outros temas que ficaram em “banho-maria”

Entre os temas de interesse dos eleitores de direita que ficaram em “banho-maria”, sem avanços nem retrocessos consideráveis, durante a legislatura que se encerra neste ano, estão a prisão em segunda instância, o Estatuto do Nascituro e medidas contra o ativismo judicial.

Sobre este último tema, segundo parlamentares ouvidos pela reportagem, apesar de não ter havido progresso por meio de projetos de lei, a principal conquista foi a conscientização dos congressistas em relação à conduta abusiva de parte de ministros STF e do TSE.

“Hoje você vê parlamentares que há um ou dois anos até concordavam com a conduta do Supremo e com o ativismo judicial, e que agora dizem publicamente que esse ativismo já passou de todos os limites. Até porque isso, na prática, acaba por roubar atribuições do Parlamento e do poder Executivo”, diz Filipe Barros (PL-PR), vice-líder do PL na Câmara dos Deputados.

O alcance de 181 assinaturas de deputados federais, dez a mais do que o necessário, para protocolar o pedido de criação da chamada “CPI de Abuso de Autoridade”, também é apontado como uma conquista. A instalação da CPI – que tem como objetivo investigar abusos cometidos por ministro do STF e TSE –, dificilmente avançará esse ano (não havia tempo hábil para a realização dos trabalhos antes do recesso), mas já é uma sinalização de pressão para o início de 2023. “Por mais que ainda não tenha sido aberta [a CPI], é um recado claro da Câmara para os ministros. O Legislativo está insatisfeito, incomodado com esse ativismo”, afirma Barros.

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Outro evento de relevância sobre o tema, ocorrido no fim de novembro, foi a  audiência pública no Senado que tratou da conduta abusiva de ministros. Conforme a avaliação de parlamentares, tais medidas abrem portas para que o tema do ativismo judicial seja revisitado com mais ênfase na próxima legislatura.

Reformas estruturais, fim do foro privilegiado e outras pautas que ficaram emperradas

Temas sobre os quais havia muita expectativa de progresso, após a eleição massiva de candidatos de direita em 2018, passaram em branco nos últimos quatro anos. Alguns desses exemplos são o fim do foro privilegiado; a implementação do voto impresso; e mais reformas estruturais – em especial a reforma administrativa, que poderia enxugar a máquina pública dos altos custos com a elite do funcionalismo público.

Com a aprovação da reforma da Previdência ainda em 2019, havia esperança de que mais mudanças estruturais avançassem, o que não ocorreu. Em setembro de 2020, o governo federal apresentou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/20, que trata da reforma administrativa. Até hoje ela não foi a Plenário e deve perder forças na próxima legislatura, que coincidirá com o mandato de Lula na Presidência. O PT, aliás, planeja apresentar sua própria versão da reforma.

Quanto à PEC 333/17, que trata do fim do foro privilegiado, o texto foi aprovado no Senado em 2017 e, desde então, está parado na Câmara dos Deputados. Parlamentares de direita fizeram diversos pedidos à Presidência da casa para que o tema seja pautado, mas sem sucesso. A proposta em questão manteria o foro privilegiado apenas para os presidentes da República, da Câmara, do Senado e do STF, enquanto todos os demais cargos, incluindo parlamentares, ministros, juízes e governadores perderiam tal benefício.

Por fim, uma derrota para parte do eleitorado conservador foi a rejeição da PEC do voto impresso auditável, que era uma bandeira de Bolsonaro, em agosto de 2021. O texto da PEC determinava a impressão de “cédulas físicas conferíveis pelo eleitor” para o registro dos votos em eleições, plebiscitos e referendos.

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A PEC obteve votos favoráveis da maioria simples da Câmara – foram 229 a favor e 218 contra –, mas precisava do apoio de 308 deputados para passar pelo primeiro turno de votação.

Bloqueios de pautas de esquerda

Apesar da estagnação em temas importantes, membros da bancada conservadora avaliam que houve êxito ao impedir o avanço de pautas de esquerda, chamadas “progressistas”. Um dos grandes exemplos disso é o PL 399/15, que estabelece o marco regulatório da Cannabis no Brasil e autoriza atividades como cultivo, armazenagem e comercialização de produtos à base de maconha no país.

Após ser aprovado em uma comissão especial da Câmara em junho de 2021, o projeto poderia seguir direto ao Senado. Dias após a votação, entretanto, o deputado federal Diego Garcia (Podemos-PR) apresentou à Presidência da Câmara um recurso pedindo que o projeto de lei fosse votado pelos 513 parlamentares, e não somente pelos 34 que participaram da comissão especial. O pedido barrou o avanço imediato da proposta ao Senado, e agora cabe ao presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL), colocar o recurso para votação.

“O trabalho legislativo quando se refere a pautas ditas de costume é baseado em aprovar projetos que representem aquilo que acreditamos e em barrar pautas contrárias ao que a gente acredita. Pode-se dizer que nessa legislatura muitas vezes esse segundo ponto foi maior do que o primeiro, ou seja, conseguimos barrar muitas pautas da esquerda nas comissões da Câmara e no próprio Plenário”, afirma Filipe Barros.