Tarik Dabor saiu da Síria após a guerra civil que eclodiu no país em janeiro de 2011| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Apesar de o número de pedidos de refúgio no Brasil ter crescido 254% nos últimos três anos, o país ainda recebe uma parcela muito pequena de pessoas que precisam migrar para sobreviver. Em 2012, 2 mil pessoas nessas condições solicitaram entrada no território brasileiro, mas apenas 10% foram atendidas. Segundo especialistas, o número é extremamente baixo em comparação com o total de refugiados no mundo e o papel que o Brasil pretende exercer internacionalmente.

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Os dados foram divulgados ontem pelo Comitê Nacional para Refugiados (Conare) e o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), e não levam em conta os milhares de haitianos que estão entrando no Brasil nos últimos anos. Considera-se refugiado apenas aquele que foge de perseguição por questões de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas. Para os haitianos, que passaram a migrar em massa após o terremoto que assolou o Haiti em 2010, o Brasil concede um visto humanitário, sem necessidade de obter a permissão do Conare.

Os refugiados que procuraram o Brasil vieram principalmente da Colômbia (173), Guiné Bissau (139), do Senegal (137) e da República Democrática do Congo (125). Mas, na prática, a maioria não atende aos critérios estabelecidos pela Lei nº 9.474/97, de "violação generalizada de direitos humanos".

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Entre os pedidos reconhecidos em 2012 estão os de 53 colombianos, 39 congolenses, 37 sírios e 13 butanenses. Em entrevista coletiva em Brasília, o presidente do Conare, Paulo Abrão, reconheceu que a maioria dos estrangeiros fica no Brasil, mesmo ilegalmente.

Segundo documento divulgado pelo Acnur, 100% dos pedidos feitos por nacionais da Síria, Costa do Marfim, do Iraque, da Somália, do Afeganistão e Butão foram reconhecidos, o que reflete "a sensibilidade do comitê com as recentes crises humanitárias no mundo". Abrão afirmou que o governo lançará um Plano Nacional de Atenção aos Refugiados, com base em um perfil sócio-demográfico que será feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Faltam políticas

Ainda há muito mais a ser feito, alertam especialistas. "O Brasil continua muito aquém do seu potencial como país receptor de refugiados. Basta lembrar que hoje há aproximadamente 15 milhões de refugiados no mundo e que alguns países, como Paquistão, abriga sozinho quase 2 milhões", explicou Carolina Moulin Aguiar, coordenadora de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-RJ).

Para Pio Penna, profes­sor do Instituto de Re­la­ções Internacionais da Uni­versidade de Brasília (UnB), é fundamental que o Brasil estabeleça uma política pública para abrigar refugiados. "Trata-se de uma questão humanitária. Se o país quer ter uma projeção internacional maior, e assento no Conselho de Segurança, precisa assumir responsabilidades maiores", disse.

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Novos árabes "curitibanos" tentam manter velhos costumes

Cristiano Castilho

É uma portinha. Dentro dela, um corredor comprido e branco, com mesas e cadeiras de madeira. Não fosse a "vitrine" recheada de esfirras e um aparato que lembra o espalhafatoso churrasco grego, seria difícil perceber que quase na esquina das ruas José Loureiro e Barão do Rio Branco, no Centro de Curitiba, há um pequeno e novo mundo árabe habitado por dois sírios e dois egípcios.

Não demorou para que o local virasse um point para lanches rápidos. E também um reduto de árabes de toda a cidade, que se reúnem no espaço aos sábados, para um almoço bem servido.

Quem toca o barco é o advogado egípcio Ahmed Ramadan, 32 anos. Com seu português nota 8, ele diz que nasceu no Cairo e veio para o Brasil, há quatro anos, depois que conheceu sua atual esposa, brasileira, pela internet. O outro egípcio é Bahaa El Hade, amigo de Ramadan. El Hade está no Brasil há 15 dias. Não fala português, mas entende quando o freguês quer "na hora" ou "para levar". Os dois estão com a vida encaminhada, e pretendem ficar por aqui.

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Seus companheiros de lida são da Síria, e estão no Brasil há um ano e meio. O falador Waled Al Halabi, 30 anos, e o tímido Tarik Dabor, "um pouco mais velho", se conheceram no aeroporto Afonso Pena. Relutam em dizer, mas o fato é que fugiram da guerra civil que eclodiu em seu país em janeiro de 2011. Ambos tremem ao ouvir o nome do presidente Bashar Assad, e Waled chora quando se lembra de parentes mortos no conflito. Mas quer voltar. "Lá tem um cheiro muito bom, que não tem aqui", diz, aos solavancos.

Diferenças

Em coro, os quatro muçulmanos afirmam que a principal diferença em relação a seus países de origem diz respeito à segurança. A "portinha" abre das 7 às 20 horas. Mas poderia ir mais longe. "Há mais policiais nas ruas, mas não me sinto seguro. Tenho amigos que foram assaltados três, quatro vezes", diz Ahmed. Waled é direto. "Na Síria não tem assalto. E, se tem, pegam o cara", afirma, dando socos e chutes no ar. É olho por olho e dente por dente? "Certo", responde.

Bebida também não tem vez. Os imigrantes concordam que ganhariam mais dinheiro vendendo cerveja, por exemplo. "Mas é que faz mal para a cabeça ‘de dentro’", conta Waled, com o indicador na têmpora.

Dificuldades

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"As pessoas nos olham como bandidos", diz haitiana que está no PR

O Brasil tem hoje cerca de 9 mil haitianos em situação regular, de acordo com o Ministério da Justiça. Não se sabe ao certo quantos trilharam o caminho em direção ao Paraná, mas muitos têm vindo atrás de emprego. A demanda está crescendo: a Agência do Trabalhador de Curitiba cadastrou 65 haitianos em 2012, e, neste ano, o número já chega a 134.

Mesmo com emprego, viver na cidade tem sido um grande desafio para as famílias de Jacquelin Jean, 32 anos, e de Nadine Hyppolite, 29 anos. Jean veio para Curitiba em março de 2012, depois de ficar quase um ano em Goiás. Ele está trabalhando como técnico eletricista na construção civil, mas lamenta que o salário seja insuficiente para manter a mulher, Frandie Chery, 21 anos, e a filha, Yhamileh, de 2 anos. Elas chegaram em dezembro passado, e os três estão instalados em uma pequena casa em Campo Magro, na Região Metropolitana de Curitiba. "Queria sair do Haiti e vir para o Brasil para ganhar mais. Só que não é bem assim." Mesmo assim, estão esperançosos.

A família de Nadine – marido e duas crianças – não tem certeza sobre continuar em Curitiba. Com embaraço e pedindo desculpas por reclamar da cidade, ela contou que ela e o marido têm sido vítimas de muito preconceito. "As pessoas nos olham como bandidos, como se brancos e negros não pudessem ficar no mesmo lugar."

Para Carolina Moulin Aguiar, da PUC-RJ, há muito desconhecimento sobre o assunto. "A mídia também contribui para uma percepção negativa dos refugiados e solicitantes, que acirra as hostilidades. Os haitianos não têm vindo em grande fluxo, se pensarmos em termos da população total haitiana. Mas há pouca ou nenhuma estrutura na fronteira, o que gera uma percepção do ‘excesso’ de pessoas." Pio Penna, da UnB, pontua que às vezes os abrigados no Brasil ficam em situação tão precária que chega a ser pior do que no lugar de onde foram forçados a sair.

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