A onda de crimes bárbaros contra crianças ocorridos no Paraná trouxe à tona uma discussão importante: a tipificação do crime de pedofilia. Os autores de violência sexual contra crianças não serão punidos por tal crime, já que a lei brasileira não traz um tipo penal específico para o assunto.
Em vários países existem dispositivos para este delito, mas, no Brasil, para punir o pedófilo é necessário se valer de outros crimes tipificados pelo Código Penal, como estupro, atentado violento ao pudor, presunção de violência, lesão corporal, corrupção de menores e, se for o caso, homicídio.
"Nós não temos sequer um tipo penal específico para pedofilia. O assassino da minha filha, caso seja encontrado, terá de ser punido por outros crimes", desabafou em entrevistas recentes Michael Genofre, pai de Rachel Genofre, 9 anos, violentada e assassinada no início deste mês. Para a advogada Márcia Caldas, integrante da Comissão da Criança e do Adolescente da seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), a tipificação do crime de pedofilia poderia ajudar na punição de autores de crimes como os que abalaram o país nos últimos dias. Outra saída, segundo Márcia, seria a alteração dos artigos que tipificam os crimes contra liberdade sexual como estupro e atentado violento ao pudor com o aumento de penas e a inserção de tratamento terapêutico para os abusadores.
A secretária de Estado da Criança e do Adolescente, Thelma Alves de Oliveira, também defende a criação do tipo penal específico. "A tipificação é importante objetivamente para que não haja interpretação subjetiva. Seria um instrumento neutro para ser aplicado igualmente em todos os casos", diz. De acordo com Márcia, porém, é necessária calma nessa discussão. "O imediatismo me deixa preocupada. Esses crimes acontecem há centenas de anos e, quando a mídia se interessa por um caso, a sociedade resolve discutir", afirma. "Leis feitas de forma rápida ficam incompletas", acrescenta.
Discussão tardia
Para a sargento da Polícia Militar Tânia Guerreiro, que trabalha há 26 anos no combate à pedofilia, a discussão sobre a tipificação já começa tarde. De acordo com ela, a falta do tipo penal específico facilita a impunidade. "O pedófilo, normalmente, não tem antecedentes criminais. Geralmente, é o pai amoroso, o irmão cuidadoso. Ele pega a pena mínima, comporta-se bem e sai com um terço da pena cumprida. A partir daí há um prazo de 48 horas para ele agir novamente", explica. "Se ele tiver condição, ele vai tocar em uma criança novamente", avisa.
De acordo com o secretário de Estado da Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari, a falta de tipificação penal específica não é um problema para punir o pedófilo. "Existem outros mecanismos para punir. O que não existe é o despertar da sociedade para o problema", afirma. A delegada do Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes (Nucria), Eunice Vieira Bonome, tem uma opinião semelhante à do secretário. "Já existem os crimes contra a liberdade sexual", afirma.
Segundo Eunice, a dificuldade em punir o pedófilo está no fato de que alguns dos delitos não admitem punição para tentativa ou não deixam marcas. Outro problema, segundo ela, é que os pedófilos deixam de ser punidos por falta de conclusão do delito. "Eles começam a executar, mas não consumam", explica. "Neste caso, ficamos de olho, porque onde há fumaça há fogo", diz.