Nem Rua XV de Novembro, nem Visconde de Guarapuava. Quem diria! A rua modelo de Curitiba agora se chama Marechal Deodoro. Mal saíram os tapumes que escondiam a reforma, iniciada no segundo semestre do ano passado, e voltaram os pedestres e motoristas em carga bruta. Juntos, eles somam 270 mil passantes, o melhor desempenho na capital entre essas duas categorias que definitivamente não se bicam. Somente em carros são 40 mil por dia um desempenho à altura da Silva Jardim e da Sete de Setembro.
Mas não é definitivamente o que interessa. Se os cálculos da Associação Comercial do Paraná (ACP) estiverem corretos, o movimento da Marechal aumentou em cerca de 8% em relação ao ano passado, comprovando que a calçada faz sim a diferença. Além de valer o investimento. Para custear os 12,8 mil metros quadrados de calçamento e 936 metros de pavimentação, a prefeitura gastou R$ 2,5 milhões. Caso a operação se mostre mesmo capaz de oxigenar o Centro, em especial a vizinha Rua XV, fez-se o negócio da China.
Até agora, as expectativas são boas. Na ACP, que congrega 60 lojistas da Marechal, a aposta é que virá um surto de reformas, para deixar os estabelecimentos tão alinhados quanto a rua. Na prefeitura, idem. A ONG Condomínio Garantido do Brasil já avisou que quer premiar a nova Marechal. E o órgão municipal avisa que vai usar a avenida como exemplo na hora de captar investimentos para as próximas empreitadas urbanísticas. São candidatas a plásticas, lipo e maquiagem permanente a decadente João Negrão, além da Emiliano Perneta, continuação da Deodoro.
A Marechal tem uma longa faixa em petit-pavê e um petit-pavê menos viralata do que o que se usa nas calçadas curitibanas. Em geral, as pedras são graúdas, a colocação malfeita e a ruína é certa. Já na avenida, a combinação das pedrinhas com os blocos intertravados de concreto funcionou, garantindo a caminhada sem escorregadas, tropeções e outros atentados. Pode virar padrão no resto do Centro.
Justiça feita
Grosso modo, seria injusto creditar à calçada todo o súbito interesse em caminhar na Marechal. Na verdade, poucas ruas de Curitiba reúnem tantos requisitos para experimentos arquitetônicos e urbanísticos quanto ela. É larga o bastante tem 21 passos apressados de pista de rolagem , é acesso para cinco galerias, as avós dos shoppings, fica no Centro e tem um equipamento comercial invejável.
Para que se tenha uma idéia, ao lado da XV, está entre as raras ruas cuja fiação de luz é embutida, evitando uma das soluções urbanas mais horrendas da face da Terra: o poste com fio de luz. Mesmo assim, nada impediu sua decadência. "Era uma rua cheia de bossa na década de 60", lembra o administrador regional da Freguesia da Matriz, o arquiteto Omar Akel, sobre a remodelação feita no passado pelo prefeito Ivo Arzua. Com o bochincho em torno da XV, a partir de 1972, "a Marechal foi cada vez mais virando uma espécie de suporte de carga e descarga, já que não se podia entrar de carro na Rua das Flores".
A contar pelo último mês, os bons tempos voltaram, embora os 936 metros remodelados da Marechal, justo os mais largos, não sejam nenhum mar de rosas. Há desafios a serem vencidos para que ela use com todas as honras a faixa de rua modelo. Falta à rua, por exemplo, sortimento no comércio. Sua monotonia é atroz, como se pode conferir com olhos bem abertos e um bloquinho de anotação nas mãos. Em toda a área de vendas térrea da rua, por exemplo, há nada menos do que 33 instituições financeiras entre bancos e casas de empréstimo e 20 lojas de móveis e eletrodomésticos. Tudo isso dividido por míseras sete confeitarias, dois restaurantes e um shopping.
O comércio varejista também é modesto: são seis bancas de jornal, três cartórios e, para surpresa geral, quatro revendendoras de celular.
Para o coordenador operacional do projeto Centro Vivo, da Associação Comercial do Paraná, César Luiz Gonçalves, 50, é só uma questão de tempo. "A mudança na rua deve motivar os donos dos imóveis a mexer na aparência das lojas. Realmente, a calçada faz a diferença."
Para lojistas e freqüentadores, contudo, melhor é cautela. "Ainda não dá para saber", diz o dono de banca Ary Eberle, 60. Ele e os outros concordam apenas num quesito: o calçamento ajudou à beça, confirmando que o petit-pavê malfeito das ruas de Curitiba afugenta pedestres.
Nesse quesito, a Marechal já deixou suas lições de vida. O gestor Omar Akel já pensa em chamar até calceiteiro aposentado para ensinar às novas gerações que petit-pavé tem de ser justo como uma espiga de milho. É uma boa notícia. A má notícia é que é impossível trocar todo o calçamento da cidade por produtos mais adequados aos tempos modernos. Faltaria dinheiro. A solução é andar pela Marechal.